Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

10.31.2006

As políticas públicas afetam a taxa de homicídios





Não é novidade, mas as pessoas tem dificuldade em acreditar. Os governos estaduais afetam as taxas de homicídios. Neste blog demonstramos o efeito no Estado de São Paulo e no Estado de Minas Gerais. Agora começamos uma série sobre o Estado do Rio de Janeiro. É um ponto importante teorica e praticamente, porque a extensão da influência das variáveis econômicas e sociais é uma qüestão empírica e não de doutrina. As políticas públicas contam e governos estaduais podem salvar vidas, às vezes com políticas das quais discordamos.

  • No Segundo Governo Brizola, a taxa de homicídios permaneceu em nível muito alto, mas sem alterações. Em 1994, era quase 64 por cem mil hbs, uma catástrofe;
  • No primeiro ano do governo Marcello, como frequentemente acontece, a taxa se manteve no nível anterior;
  • A partir daí, a taxa de homicídios despencou durante três anos: para 53,9; 50,5, atingindo 41,2 em 1998, uma redução de um terço em quatro anos;
  • Não é um resultado que eu festeje porque indica resultados de uma política ultra-dura.

10.29.2006

Potencial violento e armas de fogo

As pesquisas de vitimização mostram que as pessoas mais favoráveis às armas – ainda assim minoria – são homens (mais do que mulheres); jovens (mais do que adultos, maduros e idosos); com sobre-representação de alcoólatras (mais do que os que não bebem ou o fazem moderadamente) e grande sobre-representação das pessoas mais agressivas, que gritaram para outras no trânsito, que ameaçaram outras ou que agrediram outras. Esses comportamentos formam uma síndrome que inclui alcoolismo, agressividade, propriedade e/ou posse de armas, disposição para usá-las, brigas físicas, ofensas verbais, fumar, consumo de maconha, consumo de outras drogas, dirigir alcoolizado, não usar cinto de segurança, sexo sem proteção e outros. Caracterizam sub-culturas violentas. Construímos um índice com vários desses indicadores sócio-demográficos e comportamentais para estimar o potencial violento dos entrevistados. O potencial se relaciona intimamente com querer adquirir uma arma e acreditar que as armas de fogo protegem.
  • O lobby das armas enfatizou e enfatiza o seu uso defensivo, esquecendo-se de que a intenção e o uso não são vendidos junto com as armas. Quem vende não tem controle sobre a personalidade, os hábitos e as intenções de quem compra. As pesquisas de vitimização mostram que o culto das armas é muito mais intenso entre homens, jovens, entre pessoas agressivas, e também entre alcoólatras. Há muitas armas espalhadas nas mãos dessas pessoas e muitas mais querendo comprá-las. O cidadão de bem, pacato e honesto, é uma vítima possível desses descontrolados. Todos os dias, dezenas são mortos dessa maneira no Brasil. Um dos objetivos do desarmamento e de outras políticas públicas de natureza semelhante é recolher essas armas e impedir a morte das pessoas de bem, cidadãs pacatas e honestas.

10.27.2006

Armas de fogo e homicídios no Brasil, 1979 a 2000


O número de homicídios com armas de fogo no Brasil é uma função aproximadamente linear do tempo. Crescem, aproximadamente, 1.200 por ano. Já os homicídios com todos os outros meios cresceram menos e cresceram a uma taxa cada vez menor. A partir da segunda metade da década de 90 pararam de crescer, o que significa que todo o crescimento dos homicídios na última década se deve às armas de fogo.

O conhecido êxito do Estado de São Paulo na redução dos homicídios se deve, em boa parte, à política de não concessão de porte de armas, pari passu com uma política de captura de armas ilegais, aproximadamente 20 por dia. Bogotá também controlou as armas de fogo e o experimento de Cali demonstrou que as semanas nas que as armas foram proibidas tinham taxas mais baixas do que as semanas nas que as armas foram permitidas.

As armas usadas nos homicídios: diferenças entre os gêneros - A

As armas usadas nos homicídios: diferenças entre os gêneros

A relação entre o tipo de armas usadas para matar e o gênero de quem morre é clara:

• Tanto homens quanto mulheres morrem mais por armas de fogo do que por qualquer outro meio;
• O predomínio das armas de fogo como instrumento do homicídio entre os homens está aumentando;
• Usemos o Estado do Pará como exemplo: até 1988, mais mulheres eram mortas por instrumentos cortantes, perfurantes e contundentes do que por armas de fogo; a partir daquela data, as armas de fogo passaram a predominar;
• O predomínio das armas de fogo entre as mulheres também está aumentando;
• Não obstante, em relação aos homens as mulheres morrem menos por armas de fogo e mais por armas cortantes, perfurantes e contundentes.



Ano

Valor de X2

GL[i]

Prob.

Phi

1983

2,224

4

0,7

0,07

1984

23,445

4

0,000

0,21

1985

28,434

6

0,000

0,24

1986

9,485

4

0,05

0,13

1987

12,085

4

0,017

0,15

1988

40,142

5

0,000

0,26

1989

0,765

4

0,765

0,03

1990

11,866

4

0,018

0,13

1991

13,443

4

0,009

0,13

1992

27,733

3

0,000

0,19



[i] O número das categorias de armas variou em alguns anos devido à não inclusão das categorias com frequência zero.

Os dados de um único ano, referentes a um único lugar, dependendo do número de homicídios, podem dar resultados que levam a generalizações erradas. Em estados com milhares de homicídios ao ano, isso é difícil de acontecer ao acaso, sendo mais fácil em estados com dezenas de homicídios. Porém, o estudo de um ou poucos casos e anos levanta o problema das limitações contextuais que surgirão à medida em que introduzirmos mais casos e mais anos. Nesse poster vou variar os anos.
Na década de oitenta, o número de homicídios de homens no Pará era da ordem de algumas centenas e o das mulheres de algumas dezenas. O total variou de 467, em 1983, a 813, em 1991, mostrando tendência ao aumento.
A análise de todos esses anos revela muitas consistências e é essa a base de dados em que se pode depositar mais confiança. Para cada ano estudado é possível ter uma estimativa da significação estatística dos resultados, de se as diferenças entre as armas usadas para matar homens e mulheres poderiam ser explicadas pelo acaso. É possível, também, avaliar qual o grau de associação entre essas duas variáveis – armas usadas e gênero da vítima.

Dos dez anos analisados, oito nos dão resultados estatisticamente significativos que são compatíveis com os resultados de outros estados. Há algumas outras diferenças de gênero que atingem um número menor de vítimas, mas que devem ser levadas em consideração:

  • As mulheres, relativamente aos homens, tem mais alta taxa de vitimização de homicídios por estrangulamento e afogamento;
  • O grande predomínio das armas de fogo nas mortes de homens faz com que proporcionalmente haja menos homens mortos nas demais categorias, exceto na de lutas e brigas;
  • Em conseqüência, o universo das maneiras através das que as mulheres são assassinadas é mais diverso e variado do que o dos homens.
Alguns estudos, sabendo que as taxas de homicídio são mais altas entre os homens do que entre as mulheres, usam a razão entre homens e mulheres na população para explicar a taxa de homicídios, hipotetizando que nos países onde há, proporcionalmente, mais homens, haveria mais homicídios. David Lester analisou dados relativos a 70 países em 1980, chegando à de que essa razão se correlacionava com as taxas de suicídio, mas não com as de homicídio .
No Brasil, entre os dados facilmente acessíveis, o que tem mais alta correlação com o homicídio é o gênero. As diferenças de gênero são muito fortes tanto no que concerne a vitimização quanto no que concerne os autores. No Brasil, a razão entre vítimas homens e vítimas mulheres tem oscilado entre 9 e 11, durante um amplo período de 19 anos, com uma razão média de 10, usando um número inteiro. Na região metropolitana de Belo Horizonte, Sapori e Batitucci demonstraram que as mulheres representavam 12% do total de vítimas entre 1980 e 1995, uma razão de 7,1 homicídios de homens por cada homicídio de mulher. Essas diferenças são iguais às encontradas na análise de Belo Horizonte, sem os municípios vizinhos, da sua região metropolitana.
Há uma crescente bibliografia sobre essas diferenças. Kruttschnitt analisa dados sobre as diferenças de gênero no que concerne a vitimização, os que ofendem e o processo penal. Afirma que, embora muita informação quantitativa tenha sido usada para estabelecer novas relações estatísticas, o progresso teórico foi mais lento. As teorias chamadas de "liberação " e "oportunidade" foram usadas para explicar o crescimento das taxas de ofensas criminais entre as mulheres entre 1950 e 1970 . As diferenças entre gêneros nas taxas tanto de vitimização quanto de criminosos geraram a necessidade de explicá-las. Essas diferenças existem em todas as sociedades observadas, o que parecia sugerir uma teoria fácil. Os que favorecem explicações biológicas se sentiram fortalecidos. Não obstante, não bastava explicar o fato de que a existência de diferenças fosse uma constante: era necessário, também, explicar a variância, de país para país, entre elas. Embora diferentes fatores e teorias tenham sido usados para explicá-las, nenhuma foi sequer formulada em termos suficientemente precisos para poder equacionar a mencionada variância. O nível de imprecisão faz com que as explicações se acumulem e se sobreponham, sendo que os poucos autores que fazem pesquisas e relacionam dados com suas hipóteses, muitos se satisfazem com demonstrar que o “seu” fator contribui para a explicação da variância. Kruttschnitt afirma que as diferenças entre gêneros não se aplicam apenas a taxas globais de ofensas e de vitimização; elas se aplicam também à idade quando a primeira ofensa é cometida; a involução criminal, que se refere a praticar crimes cada vez mais sérios e graves e às taxas, idade e circunstância da desistência da atividade criminal.

Suicídios no Brasil como fenômenos estruturais

A freqüência dos suicídios obedece a certas regularidades ("leis" no linguajar arrogante do século XIX), em conformidade com a "lei" dos grandes números. Eles são estruturais, tanto no sentido de que não variam dramaticamente de ano para ano, quanto no sentido de que mantem os mesmos padrões de associação com outras variáveis. No linguagem das ciências biológicas, são fenômenos estáveis.
O gráfico nos mostra suicídios em seis anos diferentes, nas diversas unidades da federação - entre 1996 e 2001. Com curvas em forma suave, é fácil observar que variam pouco, ano trás ano. Muitos dos nossos estados tem muitos milhões de habitantes; não obstante, os suicídios oscilam pouco, dezenas ou centenas a mais ou a menos, de um ano para outro. Demonstra que todos temos algum ou alguns condicionantes sociais, sejam os que tentam o suicídio, seja os que não o tentam. Não é um fenômeno totalmente individual, no sentido de que essas decisões obedecem a normas externas ao indivíduo.
A inclusão deste poster obedece ao desejo de transmitir a idéia de que há condicionantes extra-individuais de comportamentos pensados como estritamente individuais - como o suicídio. Crime e suicídio são fenômenos estáveis, com fortes condicionantes extra-individuais; suscetíveis de alterações mediante políticas públicas adequadas.

10.21.2006

Fumo, câncer, suicídio e mortes indiretas

As definições legais do crime dependem do conhecimento. Pensando o absurdo, se não estabelecessemos uma conexão causal entre dar um tiro em alguém e a morte dessa pessoa, como poderíamos pensar que isso seria um crime.
A criminalização das companhias de tabaco foi possível graças ao avanço do conhecimento sobre as relações entre o fumo e o aumento no risco de doenças e morte.
É uma relação indireta na qual o tempo é uma variável importante. O tempo está presente entre qualquer ação humana e suas conseqüências; entre ações criminosas e morte podem decorrer apenas segundos ou minutos, ou décadas. A percepção da causalidade e da punibilidade se dilui no tempo. Mais uma vez, pensando o impensável: se alguém coloca gás sarin no metrô de Tóquio é assassinato; se alguém coloca outro gás que matará inexoravelmente a longo prazo, digamos dez anos ou vinte anos, será tratado de maneira diferente. Em muitos sistemas jurídicos a pena prescreve até para casos de homicídio. A separação grande entre o ato e sua conseqüência gera outras interrogantes, como o momento a partir do qual os prazos serão contados. A jurisprudência parece indicar que até a morte teremos tentativa e, depois dela, homicídio.
Quando o tempo se combina com a incerteza da conseqüência, o panorama se complica. A responsabilidade se dilui ainda mais. Porém, a expansão do conhecimento significa o alargamento do prazo entre as ações e suas conseqüências letais. Documentamos alterações no risco separado dos atos que o aumentaram cada vez mais distantes no tempo. Para mim é uma qüestão de tempo até que crimes ambientais sejam crimes contra pessoas e não apenas contra o ambiente. Uma nova ciência requer uma nova jurisprudência.

E o fumo?

Em algum momento, o fumo passará a ser vinculado não apenas a doenças degenerativas, mas a problemas psicológicos e ao suicídio. Há indicações disso.

  • Pesquisa dirigida por Naomi Breslau, professora de Epidemiologia na Michigan State University, publicada nos mostram uma certa associação entre o consumo de cigarros, pensamentos suicidas e tentativas de suicídio. Foram estudados jovens entre 21 e 30 anos em 1989 e depois em 1992, 1994, e 1999-2001. Durante esse período, 19 tentaram o suicídio e 130 informaram ter tido pensamentos suicidas. A relação com o consumo de cigarros persistiu mesmo descontados os efeitos de depressão anterior, uso de substâncias psico-tóxicas e tentativas e pensamentos suicidas anteriores.

  • Outro artigo, de Matthew Miller, David Hemenway, Nicole S. Bell, Michelle M. Yore e Paul J. Amoroso, foi publicado no American Journal of Epidemiology Vol. 151, No. 11: 1060-1063. Estudaram 300.000 soldados que foram acompanhados entre Janeiro de 1987 e Dezembro de 1996, um total de quase um milhão de anos-homens. Concluíram que o risco de suicídio aumenta com o número de cigarros fumados diariamente. Quem fumava mais de 20 tinha o dobro da probabilidade de se suicidar do que quem não fumava.

Esses são os fatos, essa é a associação, mas os mecanismos não são claros. Kazim Sheikh, em carta ao editor, sustenta que os mecanismos são psico-sociais e não psico-químicos.

Muitos acreditam que o fumo, para alguns fumantes, seria uma forma de suicídio lento porque aumenta muito o risco de vários cânceres. Acredito. Eu enfrento um câncer há bastante tempo e vi muita gente desesperada fumando logo fora da sala de espera da radioterapia a despeito das marcas orientadoras da radiação indicarem câncer de boca ou de esôfago. Eu estudo e conheço as conseqüências do fumo, mas muitos fumantes não têm esse conhecimento. O conhecimento, em algum nível, consciente ou inconsciente, de que fumar aumenta consideravelmente o risco de morte é indispensável para considerar o fumo como forma de suicídio lento. Há uma clara correlação entre fumo e câncer. Aumentar o risco de câncer ou ter câncer e continuar fumando, aumentando o risco de morte e de sofrimento pode ser uma grande demonstração de egoísmo e pouco caso com os sentimentos dos nossos amigos e familiares, com os que nos querem bem.

A qualidade da vida é muito afetada pelo fumo. O pulmão normal oxigena bem, nossas células se nutrem como precisam. O fumante não consegue fazer isso, oxigenar bem suas células. Por isso é que o fumo reduz a resistência, o fôlego e produz fadiga. Quem para de fumar recupera a resistência, em parte ou em todo.

Eu já fumei, mas não tinha idéia do que o fumo fazia com o meu corpo. Por isso coloco uma foto de seção de um pulmão normal e sadio e duas fotos de pulmões de fumantes. É de causar arrepios

Repito: há quem considere o fumo como um suicídio de longo prazo, como o alcoolismo e o consumo de drogas proibidas. Essa consideração requer conhecimento, consciência em algum nível, de que o que está sendo feito aumenta substancialmente o risco de morte.
Na minha mente, o que faz um pulmão ficar como mostram essas fotos, é um abuso contra o corpo humano. Vejo o corpo humano como um mecanismo lindo, maravilhoso, no qual vivem também trilhões de células. É toda uma criação presente num corpo só.

O fumo, evidentemente, não envolve apenas as companhias do tabaco, mas os fumantes também.

Muitos de nós, do fundo de uma depressão, ou de um ódio, não conseguimos sequer pensar em amor ao nosso corpo (inclusive ao meu de 72 anos), aos demais, e a Deus. Mas depressão e ódio passam, sobretudo de buscarmos tratamento. É difícil acreditar nisso quando se está lá em baixo, mas passa.

Talvez maneira inteligente de amar seu corpo, o próximo e a Deus seria parar de fumar, de beber e de tomar drogas. O seu corpo agradecerá.

E eu também.

10.19.2006

Políticas públicas, alcoolismo e suicídio

A internet permite que os pesquisadores busquem dados em lugares diferentes do mundo. Pesquisando as conexões entre o consumo de bebidas alcoólicas e as taxas de suicídio, voltei às antigas repúblicas membras da União Soviética, que servem como laboratórios devido à política de redução do consumo de álcool implementada por Gorbatchev. A Látvia é um exemplo claro: o gráfico ao lado, parte de um excelente estudo de E. Rancans, E. Salander Renberg e L. Jacobsson que analisou as taxas de suicídio entre 1980 e 1998, demonstra claramente o" efeito Gorbachev" (a baixa no consumo de álcool e na taxa de suicídio) e do seu abandono ( alta nas duas taxas). Depois do desastre que seu abandono e o crescimento do capitalismo selvagem provocaram, vieram novas políticas públicas mais inteligentes e o resultado se fez sentir: caíram os suicídios, outra vez. Uma das linhas se refere ao consumo de álcool e outra à taxa de suicídios. O primeiro ano, do lado esquerdo, é 1980 e o último, do lado direito, é 1998.
O estudo, "Major demographic, social and economic factors associated to suicide rates in Latvia 1980–98" foi publicado na Acta Psychiatr Scand 2001: 103: 275–281.

Algumas observações são necessárias:

  • as políticas públicas afetam o comportamento dos indivíduos, saibam êles ou não;
  • os gráficos representam vidas humanas salvas ou perdidas;
  • quem bebe além da conta, sobretudo os que praticam o binge drinking (tomar porre, beber muito de uma só vez) aumenta muito o risco de doença grave, suicídios, acidentes e homicídios
Em alguns países o suicídio é crime. Não coloquei o exemplo aqui porque acredite que seja ou deva ser crime, mas porque segue o mesmo tipo de relação com políticas públicas que alteram o consumo do álcool, limitando o seu excesso, que os homicídios, a violência doméstica e os acidentes.


Tente ajudar alguém e é possivel que sua própria vida fique mais bonita.

10.17.2006

Diadema ou São Paulo

  1. Houve forte redução nas taxas de homicídio de Diadema, município que fica no Estado de São Paulo, onde houve forte redução das taxas de homicídio;
  2. Houve forte redução nas taxas de homicídio de Nova Iorque, cidade que fica nos Estados Unidos, onde houve forte redução das taxas de homicídio.

Já vi e li de tudo.

  • A tentativa de explicar as reduções de São Paulo como conseqüência direta das de Diadema
  • e as de explicacar as reduções dos Estados Unidos como conseqüência direta das de Nova Iorque
É uma questão de ver que a redução de Diadema é mais de uma ordem de grandeza menor do que a de São Paulo; se não estiver satisfeito, é uma questão de calcular a taxa de redução de São Paulo sem Diadema. O mesmo vale para os Estados Unidos e Nova Iorque durante os anos de Giuliani. Infelizmente, é preciso não ter intimidade com números, inclusive simples aritmética, para não ver isso.
Mas a recíproca não é verdadeira. Diadema poderia, simplesmente, "espelhar" o Estado de São Paulo e Nova Iorque poderia, simplesmente, "espelhar" os Estados Unidos. De alguma maneira, temos que "descontar" o efeito das políticas adotadas nos conjuntos maiores (São Paulo e Estados Unidos) das adotadas nos conjuntos menores, ou sub-conjuntos (Diadema e Nova Iorque).
Maneira simples de ter uma idéia é comparar os coeficientes angulares das duas reduções, a do lugar maior e a do lugar menor. Quando fazemos isso, fica claro que a de Diadema foi mais acentuada que a de São Paulo e que a de Nova Iorque foi um pouco maior do que a dos Estados Unidos.
Porém, podemos fazer mais: podemos ver as datas em que medidas foram implementadas e ver se houve alterações na tendência anterior. E quando isso é feito, o efeito está lá, claro.

Vamos ao que interessa:

  • há algumas centenas de pessoas que estão vivas porque políticas inteligentes foram adotadas em Diadema;
  • há vários milhares de pessoas que estão vivas porque políticas inteligentes foram adotadas em São Paulo;
  • há milhares de pessoas em Diadema e dezenas de milhares de pessoas em São Paulo que deixaram de sofrer ferimentos, entre sérios e graves, porque políticas públicas inteligentes foram implementadas.
É a vida humana, e não o partido ou as eleições, o que conta.

10.16.2006

Raça e serial killers

Houve inúmeros seriados na TV e filmes sobre serial killers; em parte considerável deles havia um profiler, um agente especializado em desenhar o tipo do criminoso. Parecia padronizado: branco, baixo nível educacional, frustrado, com problemas psicológicos sérios.

Porém, Anthony Walsh, da Boise State University, publicou um artigo, "African Americans and Serial Killing in the Media: The Myth and the Reality", em Homicide Studies, questiona o perfil do serial killer como branco.

Walsh examinou 413 serial killers americanos de 1945 a meados de 2004. Havia 90 negros. Porém, a proporção de negros na população americana é mais baixa do que isso, o que sugere que os negros estão sobre-representados e não sub-representados entre os serial killers; em verdade, sua proporção entre os serial killers é o dobro da sua proporção na população total.

Essa constatação abre algumas linhas de pesquisa e de indagação.
  • Quando uma nova relação é documentada, surge a necessidade de explicá-la. Como se acreditava que os brancos estavam sobre-representados, os esforços teóricos foram nessa direção;
  • por que os negros estão sobre-representados?
  • por que a mídia sobre-representou os serial killers brancos e sub-representou os negros?
  • por que o mundo acadêmico somente agora acordou para esse erro?

A propósito:

Temporariamente (até 30 de novembro) temos acesso a todas as 26 revistas na área de Criminologia da Sage. O endereço é

http://www.sagepublications.com/CrimFreeAccess/

Algumas delas são parte dos Periódicos CAPES; em relação às outras é uma chance de fazer uma ampla pesquisa bibliográfica especializada.

Depois daquela data, é o capitalismo selvagem para cima da gente.

10.15.2006

O Estado Civil e a probabilidade de vitimização






















  • Pouco se fala das implicações do estado civil para a vitimização por homicídio. Não obstante, a taxa de vitimização é muito mais alta entre os solteiros do que entre os casados ou vivendo junto ou, mesmo, separados, divorciados e viúvos.

  • Influência da idade (há mais solteiros entre os mais jovens)? Não. A relação vale para cada grupo de idade.

  • Além disso, a relação também é estável e estrutural: ela se encontra em vários lugares, em verdade todos os que busquei, e resiste ao tempo: entra ano, sai ano, e ela está presente. Os dados apresentados aqui se referem ao Distrito Federal e ao ano de 1993. Em outros anos, também encontramos diferenças fortes; o mesmo acontece em outras unidades da federação.
É das relações mais sólidas da Criminologia.
  • Os países com baixas taxas de homicídio tendem a ter outras características criminológicas e, por isso, os dados e teorias geradas neles devem ser usados com muito cuidado quando pretendemos usá-los para analisar o homicídio em países com taxas altas, como o Brasil. Entre elas

· A razão entre as taxas de vitimização masculina e feminina é mais baixa, ou seja, há um número menor de vítimas homens para cada vítima mulher;

· Há uma proporção mais alta de homicídios entre pessoas de gênero diferente. Isso não quer dizer que haja mais homicídios entre os gêneros: ao contrário, as taxas por cem mil habitantes são mais baixas, mas isso se deve a que todas as taxas de homicídio são mais baixas. Significa, apenas, que há mais alta percentagem de homicídios entre os gêneros sobre o total de homicídios;

· O mesmo vale para infanticídio e assassinatos de crianças.

Há diferenças entre os gêneros no que concerne as armas usadas nos homicídios

A relação entre o tipo de armas usadas para matar e o gênero de quem morre é clara:

· Tanto homens quanto mulheres morrem mais por armas de fogo do que por qualquer outro meio;

· O predomínio das armas de fogo como instrumento do homicídio entre os homens está aumentando;

· No Pará, até 1988, mais mulheres eram mortas por instrumentos cortantes, perfurantes e contundentes do que por armas de fogo; a partir daquela data, as armas de fogo passaram a predominar;

· O predomínio das armas de fogo entre as mulheres também está aumentando;

· Não obstante, em relação aos homens as mulheres morrem menos por armas de fogo e mais por armas cortantes, perfurantes e contundentes.


Os dados de um único ano, dependendo do número de homicídios, podem dar resultados enganosos. Em estados com milhares de homicídios ao ano, isso é difícil de acontecer ao acaso, sendo mais fácil em estados com dezenas de homicídos. Na década de oitenta, o número de homicídios de homens no Pará era da ordem de algumas centenas e o das mulheres de algumas dezenas. O total variou de 467, em 1983, a 813, em 1991, mostrando clara tendência ao aumento.

A análise de todos esses anos revela muitas consistências e é essa a base de dados em que se pode depositar mais confiança. Para cada ano estudado é possível ter uma estimativa da significação estatística dos resultados, de se as diferenças entre as armas usadas para matar homens e mulheres poderiam ser explicadas pelo acaso. É possível, também, avaliar qual o grau de associação entre essas duas variáveis – armas usadas e gênero da vítima.

10.12.2006

Religião e homicídios: a teoria de Stark

  • Rodney Stark é um conhecido pesquisador em Criminologia. As relações entre religião, tipo de religião, religiosidade e crimes é um interesse antigo da Criminologia. Para acentuar as comparações entre contextos com mais e menos religiosidade e entre diferentes religiões, Stark comparou momentos diferentes.
  • Stark propõe que a religião tende a apoiar a conformidade e que as comunidades com altas taxas de religiosos e com altas taxas de participação em atividades religiosas tem taxas mais baixas de condutas desviadas.
  • De acordo com Stark, o controle social só se aplica a condutas intencionais, o que explicaria a relação negativa entre religião e furtos, mas não postula uma relação com o homicídio ou com agressões.
  • Stark usou dados históricos, relativos ao census de prisões que foram realizados em 1910 e 1923, e contagens dos fiéis registrados em igrejas em 1890, 1916, 1926 e 1936. Os resultados são semelhantes aos encontrados na década de 70[1].


[1] Stark Rodney et. al. “Crime and delinquency in the Roaring Twenties” Journal of Research in Crime and Delinquency, 20, (1), 1983, pp. 4-23.

10.11.2006

Latrocínios em São Paulo, controlando o efeito das diferenças mensais


  • O uso de dados mensais permite ver que a redução no risco de latrocínio foi sensivel durante todo o ano e não apenas o efeito de um mes excepcional: o número de latrocínios em 2005 foi menor do que 2004 em todos os meses, exceto abril.
  • Os dados de 2006 (disponíveis para os primeiros meses) mostram totais inferiores em 2006, em relação a 2004, em cinco meses e igual em dois; em relação a 2005, foi inferior em quatro, igual em dois e superior em um.
  • Essas demonstrações parecem repetitivas, mas são necessárias porque demonstram a importância de políticas públicas acertadas e avaliadas e, sobretudo, de sua continuidade.
  • As respostas, significativas e continuadas, mostram que não é dificil reduzir as taxas de risco - e salvar vidas.
  • É preciso competência e vontade política e não depende de partidos.

Políticas Públicas e Latrocínios




  • Talvez o crime que mais medo provoque seja o latrocínio que, não obstante, não é comum em relação aos homicídios. É raro o número de latrocínio chegar a dez por cento de todas as mortes intencionais (excluíndo suicídios). Não obstante, os latrocínios também respondem às mesmas políticas públicas que reduzem os homicídios. Latrocínios, quase sempre, acontecem com o uso de arma e, na atualidade, com o uso de armas de fogo. Os latrocínios respondem - e muito - ao tipo de legislação que pune o uso de armas de fogo durante os crimes. Estar de posse de arma de fogo aumenta a pena; sacar a arma de fogo aumenta mais; sacar e disparar aumenta ainda mais e, finalmente, matar com arma de fogo significa um grande adicional à pena.
  • As políticas usadas em São Paulo salvaram perto de cem vidas de 2003 a 2004 e outras duzentas em 2005. Em dois anos, trezentas mortes a menos somente em casos de latrocínio.
  • Algumas medidas constantes de políticas públicas produzem resultados a curto prazo, outras não. É importante saber que as medidas devem ser consistentes e, se corretas (o diagnóstico da correção requer avaliação), implementadas de forma contínua. Um claro exemplo dos efeitos deletérios da descontinuidade é o da nova Lei do Trânsito, que provocou baixa de entre 4 e 5 mil mortes em 1998. Posteriormente, houve relaxamento e as mortes voltaram a subir.
  • Uma grande dificuldade de manutenção de políticas deriva das mudanças no governo: novos governos, em todos os niveis, mais interessados em desconstruir a imagem do(s) anterior(es) do que em salvar as vidas dos seus governados.
  • Outra dificuldade deriva da extrema leniência e incompetência da justiça brasileira no trato com o crime. Os presos por crimes violentos e por outros crimes graves, que atingem muitas pessoas, passam pouco tempo presos, "pagam" muito menos do que o dano que causaram às vítimas e suas famílias.

10.10.2006

Idade e homicídio

Uma das generalizações mais testadas e consistentes em Criminologia relaciona idade e crimes violentos. Os autores atribuem essa relação, encontrada em diferentes décadas e, até mesmo, séculos, e em muitos países, ao auto-controle, que os jovens não teriam.
Essas posições estão expostas emGottfredson, Michael and Travis Hirschi. 1990. A General Theory of Crime. Stanford University Press.
Outros autores tentaram testar essa explicação. Ver Grasmick, Harold, G., Charles R. Tittle, Robert J. Bursik, and Bruce J. Arneklev. 1993. "Testing the Core Empirical Implications of Gottfredson and Hirschi's General Theory of Crime." Journal of Research in Crime and Delinquency 30:5-29 e a resposta de Hirschi e Gottfredson, 1993. "Commentary: Testing The General Theory of Crime." Journal of Research in Crime and Delinquency 30:47-54.
Essa relação está presente no Brasil em todos os testes a que a submetemos, em diferentes estados e diferentes anos. É estrutural nas duas acepções: relaciona intimamente as variáveis e sobrevive sem problemas a quaisquer variações conjunturais.
O gráfico se refere à vitimização por homicídios. Evidentemente, ano trás ano, os atores (mas não necessariamente os autores) são outros, todos eles. Não obstante, entra governo, sai governo; sobe o crescimento econômico, desce o crescimento econômico; sobe inflação, cai inflação e a relação reaparece todos os anos. Nos cinco anos analisados, 1985 até 1989, duas décadas atrás, o mesmo crescimento acelerado na segunda adolescência é observado; o pico é atingido nas mesmas idades, e o descenso mais gradual também se observa em cada um dos cinco anos. O que chama a atenção é a consistência, a quase sobreposição perfeita das cinco curvas.
  • Qualquer programa de segurança pública, em qualquer nível, tem que levar essa relação em consideração. São jovens os que morrem e são jovens os que matam.
  • O decréscimo, ainda na casa dos vinte, pode ser acelerado. Sobretudo, muitos nessa casa podem ser ajudados a não cometer crimes.
  • Porém, o mais importante é impedir que cheguem a cometê-los. A ação preventiva mais inteligente é a que mais interferir com o crescimento acelerado durante a adolescência. São muitas medidas que podem funcionar e podem/devem ser testadas, mas certamente cada uma delas deve ser avaliada.
  • Infelizmente, nossos candidatos parecem ter respostas simples e corretíssimas para tudo. Oxalá fosse assim. Se fosse tão simples e fácil, não estaríamos onde estamos.
Uma revisão da bibliografia relevante que ainda é útil se encontra em

  • Katz, Rebecca S. 1999. "Building the Foundation for a Side-by-Side Explanatory Model: A General Theory of Crime, the Age-Graded Life-Course Theory, and Attachment Theory." Western Criminology Review 1(2). [Online]. Available: http://wcr.sonoma.edu/v1n2/katz.html.

10.08.2006

Vítimas ocultas e outras conseqüências secundárias do crime

O estudo das conseqüências do crime são parte integrante e essencial da criminologia: não podem ser deixadas de fora! O crime afeta as vítimas, os criminosos, os policiais, os que trabalham no sistema penitenciário e de justiça, assim como todos os seus parentes. Iniciamos com este poster as análises mais profundas das vítimas ocultas do crime.

O reconhecimento do corpo pode provocar traumas, como a aparição de flashbacks, cenas não invocadas nas quais
aparecem o corpo e/ou outras memórias visuais vinculadas à morte ou ao morto. A freqüência destes aparecimentos não desejados se relaciona com ter/não ter sido a pessoa que identificou o corpo.
Essa descoberta empírica tem implicações para políticas públicas que visem diminuir o trauma das vítimas ocultas, já traumatizadas pela morte e outros eventos e processos que decorreram dela. É importante protegê-las, evitando, entre outras coisas:

  • o contato com os papa-defuntos no IML, necrotério, local da ocorrência, delegacia;
  • atravessar o "corredor da morte", no qual outras pessoas aguardam a identificação dos corpos de seus parentes e amigos. Se fôr impossível, reduzir e melhorar o trajeto;
  • atravessar o "corredor dos mortos", onde ficam, em algumas localidades, corpos visíveis, esperando identificação (e, às vezes, necrópsia). Se fôr impossível, reduzir e melhorar o trajeto;
  • cheiros e odores associados com cadáveres, putrefação, formol, outros;
  • visão direta de corpos mutilados e deformados. Isso pode ser feito com um tratamento estético mínimo dos corpos e a possibilidade de identificação por circuito interno de TV;
  • É uma questão de humanidade, mas também é uma qüestão de economia social, porque as vítimas secundárias podem ficar incapacitadas para trabalhar por muito tempo.
Estes problemas e outros estão tratados em maior detalhe no livro de Gláucio Ary Dillon Soares, Dayse Miranda e Doriam Borges, As Vítimas Ocultas, Record, no prelo.