Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

12.30.2006

O potencial autoritario dos brasileiros

A relação entre o apoio a medidas violentas de repressão e a descrença nas instituições, particularmente nas instituições públicas vinculadas à segurança, foi proposta por muitos e demonstrado por ninguém. É algo intuitivo, mas precisamos de cuidado. Não são esses os únicos termos da equação.
A receptividade das soluções extra-legais não é uma constante: varia entre as pessoas, varia no tempo e no espaço.

Há lugares onde a população aguenta a incompetência governamental e policial antes de recorrer a soluções extra-legais e há lugares onde precisam de menos incentivo para seguir esse falso atalho.

No Brasil, há setores substanciais da população dispostos a aceitar a “justiça” individual, a vingança pura e simples. Não é um fenômento carioca, nem é de hoje.

No Distrito Federal, em fins de 1997 e início de 1998, há quase dez anos, 25% aprovariam se o pai matasse o estuprador da filha; outros 47% não aprovariam, mas entenderiam. Pior: 60% aprovariam ou entenderiam que pessoas/organizações privadas matassem quem amedronta ou gera tensão na comunidade. No Distrito Federal daquela época a taxa de homicídios era muito inferior à do Rio de Janeiro de hoje, a PM e a PC o governo respeitavam rigidamente os direitos da população civil; não obstante, havia um apoio substancial para o vigilantismo, para a vendetta privada.

As soluções de força parecem ter um apelo para algumas pessoas que é independente do seu mérito.

Solo fértil para soluções violentas e autoritárias

12.29.2006

Consumo de álcool e Suicídio em Portugal

Ole-Jørgen Skog, Zélia Teixeira, Jose Barrias e Rui Moreira publicaram, em 1995, em Addiction Volume 90 Issue 8 – Agosto - um artigo vinculando o consumo de alcool às taxas de suicídio. Os dados, que cobriram quase seis décadas e 18 regiões de Portugal, terminam em 1989, muito antes, portanto, do experimento português de descriminalização geral das drogas, que começou em julho de 2001.


A análise temporal sugere que para cada aumento de um litro no consumo de bebidas alcoólicas corresponde um aumento de 1,9% na taxa de suicídios. Os autores sublinham que o aumento é semelhante ao observado na França e na Dinamarca, mas menor do que o constatado na Noruega, Suécia e Hungria.


Os dados espaciais produzem outros resultados, diferentes. No nível bivariato há uma substancial correlação negativa (como na análise temporal), porém quando a integração familiar e a religião são controladas, a correlação entre os resíduos não é estatisticamente significativa, ainda que negativa.


Considero a possibilidade de que o alcoolismo funcione como variável interveniente e que boa parte da perda da religião e da dissolução da família sobre o suicídio se faça através do aumento do alcoolismo.

O estudo é relevante do ponto de vista das teorias do crime porque as variáveis explicativas - alcoolismo, integração familiar e religião - também fazem parte do arsenal analítico da Criminologia.

12.25.2006

Suicídios no mundo

As taxas de suicídio variam muito entre países; porém, os da Europa, particularmente da ex-URSS, assim como o Japão, a China e a Austrália, são muito altos. Entre os países do hemisfério americano, apenas Cuba figura entre as taxas mais altas.


Há muitos países sem estatísticas confiáveis (quase toda a África, por exemplo) e as conclusões são limitadas aos países com um mínimo de organização política que inclua a produção de estatísticas confiáveis.

Porém, o fato de certas regiões terem taxas mais altas não implica em outras semelhanças. Os tipos de suicídio, suas relações com outras variáveis (como a idade e o gênero) variam muito. Analiticamente, esses padrões de relações são muito importantes.
Os suicídios entram no estudo das teorias do crime porque são considerados crimes em algumas sociedades e porque são um comportamento violento intencional como vários crimes; tanto do ponto de vista psicológico, quanto do ponto de vista sociológico, a relação entre suicídio e homicídio tem sido objeto de especulações teóricas.

12.18.2006

O tripé da segurança pública

Tive, há poucos dias, uma conversa com Rubem César no RJTV que, graças ao âncora, Sidnei, focalizou a corrupção na polícia no Rio de Janeiro e o que poderia ser feito para melhorar a situação, que é catastrófica. É interessante como nossas perspectivas são complementares: Rubem argumenta, acertadamente, que não há reforma nem melhoria da polícia sem participação da mesma. Enfatiza o papel da corregedoria e da ouvidoria. Como bem definiu, a corregedoria é a polícia da polícia. Para quem não sabe, a corregedoria é parte da polícia. Nos estados americanos existe uma seção chamada de internal affairs que, dentro de limites, tem a mesma função. A ouvidoria é externa à polícia e, antes de lançar raízes numa cultura policial determinada, é alvo de hostilidade da polícia que, frequentemente, sabota seu trabalho e nega informações. Eu enfatizei os aspectos políticos da reforma policial e dos planos de redução do crime e da violência. Os grandes e mais conhecidos programas tiveram início na região do político: Giuliani em Nova Iorque lançou o Tolerância Zero; Antanás Mockus foi quem alavancou o hoje conhecido programa em Bogotá etc. Programas exitosos como o do Estado de São Paulo e, mais recentemente, o do Estado de Minas Gerais ou o do município de Diadema contrariaram muitos interesses e requereram vontade política para manter o apoio aos programas contra a maré de interesses contrários. Com freqüência, há um pesquisador ou estudioso alimentando o governo com idéias e projetos: James Q. Wilson e George Kelling deram o substrato teórico a Giuliani, Regina Miki e outros ajudaram a construir o programa em Diadema; Túlio Kahn exerce função semelhante no Estado de São Paulo, Luis Flávio Sapori faz o mesmo em Minas e Mockus levou uma excelente equipe à prefeitura de Bogotá.

Garotinho teve a chance de fazer algo semelhante no Rio de Janeiro quando levou Luis Eduardo Soares e sua equipe para o governo do estado. Porém, seja por falta de conhecimento seja pela baixa prioridade dada à função não quiz reter essa equipe. Despediu-o pela TV.

A taxa anual de homicídios dolosos no Estado do Rio de Janeiro oscilou entre 41,6 e 46,1 por 100 mil hbs, excluíndo latrocínios, mortes legais etc. Durante esses oito anos, perto de 55 mil cidadãos perderam a vida graças a ações intencionais de outros, sem contar as mortes legais e as com intencionalidade desconhecida. Embora a tendência anterior a Garotinho fosse de queda, ela se alterou com Garotinho e Rosinha, permanecendo num patamar altíssimo, superior a 40 por 100 mil hbs. Em contraste, São Paulo apresentou uma redução dramática no número de homicídios durante o mesmo período. A taxa, em 1999, era de 52,6 por 100 mil hbs. e em 2005 foi de 24. Ou seja: tem jeito! Mas não com Garotinho e Rosinha. Quantos homens e mulheres, cidadãos do Rio de Janeiro, estariam vivos se não fossem essas administrações catastróficas?

Políticas públicas exitosas repousam sobre um tripé: bons governantes, equipe competente, de pessoas que conhecem a área, e operadores da segurança, sobretudo policiais, decididos a melhorar.

Bons governos, como os mencionados, salvam vidas; governos incompetentes e/ou corruptos matam seus próprios cidadãos.




12.06.2006

É possível obter bons resultados de um ano para o outro. Em 2003, Los Angeles apresentou uma queda de 23% nos homicídios.


Crimes violentos, em geral, caíram 4.3% de acordo com os dados do Los Angeles Police Department.
Foram 505 homicídios; tinham sido 658 no ano anterior. Esta é a ordem de grandeza dos homicídios no Estado do Rio de Janeiro, mensalmente.

As estatísticas dizem que os estupros caíram 9%, para 1.115; tinham sido 1.231 em 2002. Outros crimes também baixaram.

Econômicamente, 2003 não foi um ano bom para os Estados Unidos, com crescimento do desemprego, o que nos diz que os indicadores econômicos não são condição necessária para a redução dos crimes violentos.

  • Lá, como aqui, as vítimas foram predominantemente homens jovens entre 15 e 25.
  • Um grande número está vinculado a gangues
  • como aqui, se concentram nas noites, sobretudo de sexta até domingo.
  • Metade das vítimas eram Latinas, 39% negros (que representam apenas 11% da população), 7% brancos (que são 30% da população) e 9% de outras raças e etnias.
  • Em Los Angeles, como no Rio de Janeiro e as cidades grandes, há uma diferenciação espacial clara, com bairros violentos e bairros não-violentos.
Os dados de Los Angeles confirmam que há relações que se repetem em contextos diferentes; porém, as especificidades também são claras - como em Boston, a violência está intimamente ligada às gangues.

Gangues e homicídios em Los Angeles

As ações das gangues, sobretudo as guerras entre elas, são uma das principais causas de mortes violentas em várias cidades do mundo. As gangues estão ganhando fama mundial e se transformando em mega-organizações criminosas. Talvez as mais conhecidas sejam as maras formadas inicialmente por salvadorenhos.

Essas mortes respondem às políticas públicas e à falta delas também. Alejandro Alonso, um pesquisador da USC, preparou cuidadosamente o gráfico que reproduzimos à esquerda, que mostra

  • o elevado número de mortes relacionados com as gangues, em Los Angeles;
  • as flutuações nessas mortes, que contrariam a tendência mais geral das mortes violentas a uma certa estabilidade
  • evidentemente, quando fração significativa das mortes se devem a grupos ou categorias específicas, as políticas focalizadas são indicadas.
Parte da queda mais recente nos homicídios por gangues coexistiu com a tendência mais ampla à redução da criminalidade nos Estados Unidos, sendo difícil separar os efeitos das políticas californianas do efeito das condições nacionais.

12.04.2006

Suicídios, gênero, idade

Dados relativamente recentes produzidos pela OMS ajudam a elucidar a conhecer os padrões dos suicídios, o que fornece subsídios para políticas públicas que visem evitá-los.

O mapa ao lado (e seus comentários) mostra que as taxas de suicídio tendem a

  • aumentar com a idade
  • porém, aumentam mais entre os homens
  • saltam após os 65
  • porém o salto é forte apenas entre os homens
  • em todas as idades conscientes, a taxa é mais elevada entre os homens

Essas constatações fornecem importantes subsídios para continuar desenvolvendo as teorias sobre o suicídio. Estabelecem, também, os limites das teorias que tentam integrar homicídios e suicídios, dados pela composição etária: o homicídio é um fenômeno jovem (tanto algozes quanto vítimas), ao passo que o suicídio é um fenômeno que cresce muito na terceira idade masculina.