Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

1.25.2007

Crime e alcoolismo durante a gravidez

O comportamento criminoso tem raízes profundas. Não há, claro, o comportamento criminoso. Há vários, alguns com uma teia de determinações parecidas, outros não. Vejamos uma causa distante.
Em outros posters conversamos sobre o alcoolismo de algumas pessoas como um suicídio lento. Mas o alcoolismo também traz sérias conseqüências para os fetos, razão adicional e muito forte para parar.
Há três décadas que foi criada a expressão "fetal alcohol syndrome" (FAS), que se refere um padrão definido de problemas que afligem crianças cujas mães beberam álcool durante a gravidez. São muitos os problemas de ordem neurológica e comportamental que afetam as crianças e que as perseguem durante toda a vida, provocando um péssimo desempenho na escola.
Em alguns lugares a incidência e a prevalência desses problemas são muito grandes. Uma pesquisa com 992 crianças da primeira série numa comunidade da África do Sul demonstrou a existência de FAS em mais de 4% das que tinham entre 5 e 9 anos. As estimativas dependem da metodologia empregada. Em um condado no Estado de Washington, o cálculo “ativo” foi de 3,1 por mil, ao passo que os cálculos passivos variaram de 0,33 a 3 por mil. O cálculo passivo é inviável no Brasil: ele se baseia nos dados médicos existentes, usualmente coletados no parto. Mesmo onde eles são bons, muitos problemas só surgem mais tarde, não sendo visíveis ao nascer. O método ativo faz um survey da população-alvo e baseia os cálculos neles.
Há várias categorias de problemas: há deficiências cognitivas e comportamentais específicas, típicas de crianças com mães que beberam durante a gravidez.
A primeira trata de problemas na aprendizagem verbal. As crianças com FAS aprendem um número menor de palavras, mas não as esquecem com freqüência maior. Isso significa que a deficiência aparece na etapa de codificação da memória e diferencia crianças com FAS das crianças com a Síndrome de Down que tem tanto a aprendizagem quanto a memória prejudicadas.
Mas não é só. A aprendizagem espacial e visual também é afetada. Conseguem lembrar um número menor de objetos retirados da mesa em frente. A atenção é afetada. Coles e associados contribuíram para evitar uma confusão com crianças hiper-ativas com desordem de atenção. Essas crianças apresentam dificuldades em focalizar e manter a atenção, bem diferente das crianças com mães que beberam na gestação, que tem dificuldade em mudar o foco da atenção. Podem, sim, colocar atenção em A, mas apresentam dificuldade em mudar para B.
Uma das heranças malditas que mães que bebem deixam em seus filhos é a lentidão. O tempo para reagir e resolver problemas é maior. Crianças com FAS processam informação mais vagarosamente e de maneira menos eficiente. Jacobson e associados descobriram esses problemas em crianças muito pequenas, de seis meses, medidos através dos movimentos dos olhos quando novos estímulos eram apresentados.
As funções que requerem pensamento abstrato, planejamento e organização são muito prejudicadas. Por exemplo: as crianças tem dificuldade em passar de dar nomes a animais para objetos de mobiliário e, outra vez, para animais. Essas crianças desenvolvem uma incapacidade de mudar de estratégias para resolver problemas: voltam a tentar da mesma maneira que fracassou antes.

Neurofisiólogos estudam, também, a estrutura do cérebro. Parte da herança maldita é a redução no tamanho do cérebro, particularmente de algumas áreas. Uma delas é chamada de basal ganglia que, quando danificada, dificulta a memória espacial e a mudança entre conjuntos tanto em animais quanto em pessoas.



Outra área reduzida é o cerebelo que parece operar parte do equilíbrio, da coordenação e da cognição. O cerebelo fica na base do cérebro e também é afetado pelo alcoolismo materno.



Os danos não param aí. O alcoolismo durante a gravidez provoca uma série de disfunções no cérebro do feto, com sérias conseqüências para a vida e a funcionalidade da criança.



O corpus callosum parece ligar a metade esquerda com a direita do cérebro: nada menos de 7% das crianças com mães que beberam durante a gravidez nascem sem ele. É uma percentagem vinte vezes maior do que a encontrada na população como um todo. Para ver imagens do corpus callosum clique aqui e aqui.

Há muitas razões para parar de beber. Os filhos são as principais: cada um é uma razão forte.

O que tem isso que ver com o crime?
É só ver as estatísticas a respeito do número de criminosos cuja mãe era alcoólatra, comparando com a população em geral.

1.17.2007

Governos estaduais e segurança pública: os ganhos em São Paulo

Recebi de Túlio Kahn, uma das inteligências por trás das estatísticas, os resultados para o Estado de São Paulo que cobrem de janeiro a novembro, inclusive, e comparam 2005 com 2006. Eles mostram uma redução do crime em toda a linha. Os crimes com dados mais confiáveis baixaram substancialmente. Houve uma redução de mais de mil homicídios só nesses onze meses, aos que devemos acrescentar uma redução de mais de duzentos homicídios culposos. Roubo e furto de veículos baixaram aproximadamente dez mil.

Uma baixa de mais de 15% nos homicídios em um só ano é um resultado muito bom, particularmente porque veio após vários anos de declínio, quando, com freqüência, políticas públicas de segurança começam a mostrar retornos decrescentes.

Para ver melhor os dados da tabela abaixo, clique sobre ela.


As políticas implementadas em São Paulo foram qualificadas como conservadoras; de fato, combinam medidas que fazem parte do arsenal conservador (construção de prisões, aumento da população encarcerada), com outras progressistas (controle de armas de fogo, orientação para a comunidade, descentralização das ações preventivas e repressivas), e muitas que são, apenas, a aplicação de técnicas policiais que funcionam (treinamento, geo-referenciamento, melhoria do equipamento, fortalecimento da polícia técnica, retreinamento da P2 e outras medidas).
Ainda falta. A PMSP poderia se beneficiar muito de treinar muitos dos seus oficiais mais promissores nos melhores programas no Brasil e nos centros mundiais de referência. Faltam facilidades nessa direção.

O progresso obtido em São Paulo contrasta com a estagnação observada no Rio de Janeiro e com o deterioro no Paraná. O que considero crescimento acelerado da violência criminosa durante as duas administrações Brizola no Rio de Janeiro, ou a de Itamar em Minas Gerais, contrastam com o declínio da violência nos últimos oito anos em São Paulo e os últimos quatro em Minas Gerais. Segurança Pública é prioridade para alguns governos, mas não para outros.

Sempre será possível achar que poderia ser melhor, mas negar os ganhos é pior do que sectarismo, é cretinice.

1.16.2007

A relação entre governos estaduais e crimes violentos

Tem jeito, sim! Acabo de receber do Dr. Luiz Flávio Sapori, os dados saídos do forno referentes à criminalidade violenta em Belo Horizonte. Não há dúvida a respeito do descenso observado desde que Minas Gerais voltou a ter governo.

A redução dos crimes, violentos ou não, não começa no plano policial nem judicial, começa no plano político. Pouco vêem (ou querem ver) a relação entre as mudanças políticas lá em cima, no nível do governador, e as mudanças lá em baixo, no sub-mundo do crime, mas elas são claras.


Os dados mostram claro e acelerado crescimento de 1998 até 2003, já no primeiro ano da administração de Aécio Neves. As medidas tomadas, em grande parte, na Secretaria de Defesa Social, provocaram um decréscimo dos indicadores de crimes violentos. Em verdade, foi em 2006 que se observou a maior baixa.

A relação entre a competência e a qualidade das administrações estaduais e o crime é clara. Não se trata de uma tendência nacional, mas de mudanças de rumo que coincidem com a subida ao poder de novos governadores. Em um estado isso pode marcar o início de medidas com base em conhecimento provado e, em outros, exatamente o contrário: o fim dessas medidas.

1.14.2007

O controle familiar e a delinqüência dos filhos

Todas as semanas lemos algo a respeito de jovens e adolescentes mortos no trânsito. Algumas dessas notícias mostram o papel que as bebidas alcoólicas e as drogas tiveram nesses desastres que, às vezes, cobram várias vidas.

Evidentemente, a primeira pergunta de um pai ou mãe preocupado e inteligente é como evitar que isso aconteça. Os dados abaixo mostram o resultado de pesquisa recente e o que ela revela:

Em 19 de setembro de 2006 foi publicado o estudo mais recente da série SADD - New Study: Parental Consequences Significantly Deter Dangerous Driving Behaviors in Teens. É feito a intervalos regulares, com jovens. Quais os principais resultados?

· Um em cinco jovens ainda bebem e dirigem: 19% reconheceram que dirigiram sob os efeitos do álcool;

· outros 15% tendo usado maconha

· e 7% tendo usado “outras drogas”.

Qual o efeito que, segundo os adolescentes, tem o comportamento dos pais?

Mais do que os pessimistas acreditavam e menos do que os otimistas esperavam. Para isso, a pesquisa dividiu os adolescentes em dois grupos:

Aqueles cujos pais deixavam claro quais seriam as conseqüências de dirigir sob a influência de alguma droga, legal ou não, e os que não faziam isso.

· Entre os primeiros, 16% dirigiram tendo bebido; entre os últimos 29% o fizeram. É uma diferença estatisticamente significativa;

· Com relação a maconha, as diferenças foram menores 14% e 18%

· E com relação a “outras drogas”, 6% e 11%

· Adolescentes que nunca dirigiram sob a influência de álcool ou de qualquer droga: 78% no primeiro grupo e 59% no segundo

O excesso de velocidade é um reconhecido fator de perigo para acidentes. A existência de regras claras também ajuda a limitar esse perigo: entre os que vivem em famílias com regras claras, 44% dirigiram oito ou mais quilômetros acima do limite, menos do que os que vivem em famílias sem regras ou com regras “flexíveis” e arbitrárias: 56%.

Nessa área, a impunidade também conta. Dirigir e falar no celular é crime e há boas razões para que seja. Os adolescentes que dizem que se violarem as condições estabelecidas pelos pais não há escapatória, vão pagar o preço, apresentam comportamentos muito mais sensatos - 37% dirigiram e falaram nos celulares, em comparação com 65% daqueles que não acreditam nas regras familiares e acham que não serão punidos.

Os resultados são ainda melhores se, além de deixarem claro que as punições acontecerão, os pais também elogiam o “bom” comportamento dos filhos e filhas.

A participação das famílias e do poder público é indispensável: desde 1981, os Estados Unidos conseguiram reduzir as taxas de mortes em veículos relacionadas ou causadas pelas bebidas alcoólicas em 60%. São dezenas e dezenas de milhares de vidas salvas.


1.12.2007

Homicídios em Portugal

O Ministério da Justiça de Portugal informa que, entre 1995 e 1998, foram identificados 1054 suspeitos de homicídio em 1520 casos, uma taxa de identificação de 69%: 961 eram homens e 93 eram mulheres. É uma taxa de identificação muito alta, se comparada à do Rio de Janeiro, e muito baixa, se comparada às observadas na Alemanha e no Japão.

Dos três grupos de idade (claramente insuficiente, perdendo preciosas informações) o intervalo aberto acima de scalões etários 25 anos com 548 indivíduos identificados. Entre os 16 e os 24, há 174 suspeitos, e no grupo etário menor de 16 anos foram identificados apenas 11. Esses dados, cuja fonte secundária é
www.fcsh.unl.pt/cadeiras/ciberjornalismo/ciber2000/armas/Numerosfinal.htm
Go to source>> não fecham. O número de identificados é muito maior do que os identificados cuja idade é conhecida. Há uma perda de informação de, aproximadamente, um terço no que concerne a idade. No que concerne o gênero, 961 eram homens e 93 eram mulheres, uma distribuição semelhante à encontrada no Brasil. presumíveis homicidas. Os dados policiais informam que as mulheres representam 29 por cento do total de vítimas de homicídio (segundo o Ministério da Saúde) entre 93 e 98. É uma percentagem mais alta do que no Brasil.

A composição etária das vítimas de homicídio em 6 anos, mostra que 346 (40 por cento do número total de vítimas) tinham idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos. O escalão etário dos indivíduos com mais de 50 anos foi o segundo mais atingido, com 246 mortos, seguindo dos indivíduos com idades entre os 20 e os 29 anos, com 186 óbitos registados. O estudo, da própria polícia, sugere que apenas 9% dos suspeitos identificados pelas autoridades policiais composição etária das vítimas é mais elevada do que no Brasil: 40% tinham entre 30 e 49 anos, ao passo que a faixa de 20 a 29 anos tinha menos vítimas do que a de 50 e mais. É uma distribuição atípica no cenário internacional, em flagrante contraste com a brasileira que se concentra nos intervalos mais jovens.

Essas diferenças quantitativas sugerem importantes diferenças qualitativas: o homicídio em Portugal é muito menos vinculado a outros crimes, particularmente a tráfico de drogas (os dados são anteriores à legalização) do que no Brasil.


A composição etária das vítimas é mais elevada do que no Brasil: 40% tinham entre 30 e 49 anos, ao passo que a faixa de 20 a 29 anos tinha menos vítimas do que a de 50 e mais.

A concentração geográfica caracteriza o homicídio em Portugal: 51% das vítimas são da área da capital, seguida pelo Norte e pelo Centro, com perto de 15% cada. O Alentejo tem poucas vítimas.
  1. A comparação entre Portugal e o Brasil ou o Rio de Janeiro sugere que a composição dos homicídios é diferente;
  2. o número de homicídios em Portugal é baixo relativamente ao Brasil e ao Rio de Janeiro. Portugal teve em seis anos homicídios equivalentes a dois meses do Estado do Rio de Janeiro. e as populações são diferentes, mas não dramaticamente como os homicídios: ~11 milhões em Portugal e ~16 milhões no Estado do Rio de Janeiro.
  3. a vitimização das mulheres, relativamente à dos homens, é mais alta em Portugal;
  4. a autoria de mulheres é muito baixa nos dois locais, mas os poucos dados que temos indicam que há maior participação relativa das mulheres nos homicídios em Portugal;
  5. a idade das vítimas é corrida para cima em Portugal. Ajudaria se as faixas etárias publicadas fossem mais detalhadas;
  6. os solteiros apresentam taxas de vitimização mais altas do que os casados e viúvos;
  7. não temos dados sobre Portugal distinguindo entre local de ocorrência e de falecimento, uma diferenciação importante que pode explicar parte da concentração em Lisboa;
  8. o mesmo crime, homicídio, inclui diferentes tipos. Creio que os homicídios diretamente vinculados ao tráfico de drogas e aos assaltos são muito menos freqüentes em Portugal, onde os homicídios entre conhecidos, inclusive entre íntimos, é mais freqüente, relativamente ao total.
O estudo comparado dos homicídios entre Brasil e Portugal trará contribuições substanciais ao conhecimento.





homicida tipo

1.10.2007

A construção de uma identidade regional e o crime

A reunião dos governadores do Sudeste pode ser o primeiro passo para a formação de uma identidade regional. Além dos seus objetivos óbvios, imediatos, na luta contra o crime e a violência, pode ser um passo estratégico na política brasileira a fim de defender os interesses da região. Na trama da política regional, o Sudeste e o Centro-Oeste lutam contra uma ausência de identidade regional. Não há sudestinos, nem centro-oestinos...
Mas há nordestinos, nortistas e sulistas e essas identidades contam - e muito - seja na retórica política que, dentro e fora do Congresso, é importante para lutar por recursos públicos, inclusive por recursos destinados a combater o crime, seja na atividade política que assegura esses fundos.
Políticos e a sociedade construíram uma fortíssima identidade nordestina, uma forte identidade nortista e uma identidade sulista. A construção dessas regiões como blocos que constituem o edifício político e a luta por recursos foi importante. A relevância dessa identidade transparece nos discursos no Senado Federal: através de pesquisa no SICON (Sistema de Informações do Congresso Nacional) localizei 3.780 discursos nos quais se mencionava a Região Nordeste, outros 1.469 nos quais se mencionava a Região Norte, seguida por 964 discursos nos quais a Região Sul era mencionada, seguida pela Centro-Oeste, com 637. Na retaguarda, absolutamente distanciada dos demais, a Região Sudeste, com 270 menções. Para cada menção ao Sudeste, há 14 ao Nordeste.


Porém, essas identidades regionais e coletivas não são, apenas, figuras de retórica. Elas são instrumentos de mobilização política dentro e fora do Congresso, na luta por recursos públicos. Inicialmente, era uma estratégia necessária: um representante de Alagoas ou de Sergipe teria mais chance de obter recursos para seu estado se alinhavasse seu discurso e seu pedido em nome do Nordeste. Porém, era mais do que simples retórica estratégica: era estratégia política. Durante mais de um século, foi sendo alinhavada uma estratégia de barganha regional. Durante parte desse período, o Rio de Janeiro, antiga capital, São Paulo, nova e crescente potência econômica e Minas Gerais, estado integrante obrigatório de qualquer política nacional, seguiam caminhos individualizados. As rivalidades entre cariocas, mineiros e paulistas eram divertidas no campo de futebol e na política. O Estado do Rio de Janeiro vivia parcialmente na sombra do Distrito Federal, depois Estado da Guanabara, e o Espírito Santo tinha pouca expressão demográfica e política.
Porém, a despeito do crescimento demográfico (em boa parte absorvendo o excedente de outras regiões) e econômico, a participação do Sudeste no Legislativo, particularmente no Senado Federal decresceu. Porém, não houve um crescimento da identidade regional que continuava vivendo o isolacionismo e a pseudo-auto-suficiência. Os estados do Sudeste viviam a ilusão do passado. Cada estado do Sudeste defendia seus interesses e nenhum defendia os interesses da região.


Essa fraqueza teve e tem um preço. A legislação federal relega a região Sudeste à irrelevância enquanto região. Apenas 1% da legislação menciona a região, em contraste com 60% de referências à região nordeste. Ao ficar fora da retórica política e do imaginário nacional, o Sudeste como região ficou fora da legislação. Não há como legislar sobre uma região que não existe, nem como beneficiá-la.
Ironicamente, é o crime organizado que, mantendo algum contato em estados diferentes, pensando em filiais, que talvez provoque uma consciência regional. Sem super-estimar o grau de organização do crime, a debilidade das instituições políticas e policiais, particularmente no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, deixou clara a incompetência desses estados em proteger suas populações.
Por que essa união é necessária? Porque os recursos são escassos. Porque o setor público brasileiro está falido, financeira e moralmente. Estão em disputa as migalhas, o que sobra. Nessa disputa, os estados, individualmente, tem pouca força. O estado brasileiro tem impostos suécos e benefícios africanos.

O discurso da exploração das regiões pobres pelas ricas tem algumas facetas que me incomodam:

  • a falta de dados que demonstrem essa exploração;
  • eximir a elite política do Nordeste e do Norte de qualquer responsabilidade, histórica e atual, pelos problemas da região e seus estados;
  • exemplificando: a miséria do Maranhão se deve à exploração por São Paulo ou a décadas de corrupção e inépcias da sua elite? Se a ambos, em que proporção?
  • as pessoas têm ou não responsabilidade pelas decisões que tomam ou deixam de tomar?
  • recursos desviados no Sudeste e do Sul vão beneficiar os necessitados das regiões mais pobres, a burocracia dessas regiões, a burocracia federal, ou a elite e a classe média dessas regiões - e em que proporções?
  • os pobres das regiões ricas merecem algum apoio?

Há uma hipocrisia que deve ser desmascarada. Alguns dos que brandem a bandeira da exploração do Nordeste e do Norte pelo Sul e pelo Sudeste são riquíssimos e insensíveis à miséria do próprio povo. É insultante ouvir esse discurso por parte de políticos latifundiários, que possuem casas de praia nababescas, absolutamente insensíveis à miséria que os cerca.
Os "sudestinos" devem se unir para obter recursos para combater o crime e a violência e os brasileiros devem se unir para garantir que os recursos federais, estaduais e municipais cheguem às mãos dos mais necessitados.

1.07.2007

Femicídio: matando mulheres

A África do Sul tem uma altíssima taxa de mulheres mortas por seus parceiros:

• de cada duas mortas por alguém que elas conheciam, uma o era pelo próprio parceiro.
• Os números são impressionantes: quase trinta por semana são assassinadas por maridos, amantes, namorados.
• Pior: uma em cada cinco é morta com uma arma legal, registrada e tudo o mais. Em metade dos casos que foram resolvidos o assassino era um intimate partner, um parceiro íntimo. Ainda que os casos resolvidos não sejam uma boa fonte para estimar o total de casos, os dados são impressionantes e falam de uma cultura que permite ou aprova o assassinato da companheira em situações específicas.

O Centre for the Study of Violence and Reconciliation (CSVR), o Department of Forensic Medicine and Toxicology na University of Cape Town, e o Medical Research Council promoveram uma pesquisa há dois anos para fornecer os dados básicos com os quais informar uma política racional de prevenção de femicídios.

• O que mais sabemos sobre os assassinos, fora que são parceiros? A maioria tem entre 30 e 39 anos, que é a idade com maior número de pedidos de compra de armas de fogo, de acordo com a organização Gun Free South Africa.

• A África do Sul segue um padrão que caracteriza muitos países: são assassinadas com maior freqüência por seus parceiros do que por desconhecidos. Implica em que uma teoria sobre o femicídio por parte de parceiros íntimos teria uma ampla aplicabilidade - feitos os devidos ajustes.

• Há momentos nos quais as mulheres são mais vulneráveis, quando há mais violência, e o pior de todos é quando tentam terminar uma relação - ou logo depois de uma separação.

• Uma pesquisadora, Vetten, mostra que a idade média e mediana das vítimas está diminuíndo. A implicação é clara: mulheres cada vez mais jovens estão entrando em relações que são ou se tornam marcadas pelo abuso e pela violência.

• Coloquemos o álcool na equação: um terço dos assassinos bebia demais, era alcoólatra.

• A maioria das vítimas é coloured. As mulheres coloured têm uma taxa de vitimização por homicídios íntimos que é desastrosa: perto de 20 por 100 000, o dobro da taxa das mulheres negras e seis vezes a taxa das mulheres brancas. Os coloured são um dos quatro grupos reconhecidos pelas leis de apartheid: brancos, negros, índios e "coloured. Os coloured são o resultado de mistura de grupos diferentes, incluíndo brancos, negros, migrantes do Ceilão e do Sul da Índia, da Indonésia etc

• A coisa fica pior: 16% das mulheres, além de assassinadas, também foram estupradas. E a polícia, que não parece melhor do que a nossa, não pergunta se o assassino estava batendo na mulher.

• Fica ainda pior: poucos são os assassinos condenados, menos de um terço. Setenta por cento das não condenações se deveriam à "falta de provas". Lá, como aqui, é muito difícil conseguir testemunhos. Muitos assassinos são presos, confessam, são postos em liberdade e somem. Lá como aqui...

Quanto vale a vida de uma mulher na África do Sul? Os assassinos condenados recebem, na média, pena de dez anos. A influência da intimidade sobre a sentença se nota quando sabemos que os assassinos não-íntimos recebem dois anos a mais. Os parceiros assassinos recebem penas menores quando alegam/provam que suas vítimas "os provocaram".

• O uso de DNA é escasso: 3,5% dos casos e, a despeito da alta freqüência de vítimas que foram estupradas, um exame técnico-forense é muito raro. Como aqui.


As autoridades parecem que não se importam com isso. Como aqui.

Feriados, suicídios e a "teoria das promessas quebradas"

Mais uma vez, a qüestão dos feriados e seus efeitos sobre a taxa de suicídios. Como essa notícia está vinculada a uma hipótese (melhor descrição do que teoria) interessante, incluo aqui também. Os pesquisadores analisaram 140 MIL suicídios cometidos entre 1970 e 2002 e sua distribuição ao longo do ano, com uma preocupação em testar a hipótese de Gabennesch, usualmente chamada da “teoria das promessas quebradas” que contribuiria para explicar os suicídios. Ao redor do Natal e da Páscoa, os suicídios declinam, mas apenas entre os homens; no primeiro dia do ano, ao contrário, há um aumento substancial nos dois gêneros; outros feriados húngaros, o primeiro de maio e o 20 de agosto não provocam alterações.
Os rítmos dos suicídios sugerem um aumento às segundas-feiras e um declinio durante os fins de semana – tanto para homens, quanto para mulheres.
Os pesquisadores concluem que os dados húngaros apoiam a hipótese de Gabennesch .
Como o artigo está em húngaro, usei as informações de PubMed.

Bozsonyi K, Veres E, e Zonda T. “The effect of public holidays on the suicide drive (frequency) in Hungary (1970-2002) em Psychiatr Hung. 2005;20(6).