Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

2.22.2007

Armas de fogo e homicídios em Cali e Bogotá: um experimento natural

A Colômbia tem muito a oferecer ao Brasil no que concerne a Segurança Pública. Primeiro porque tem uma história de conflito de guerrilhas e paramilitares, mostrando o horror de uma guerra civil que se arrastou por dezenas de anos e deixou centenas de milhares de mortos.

Muitos sabem que, desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, a Colombia conheceu poucos momentos de paz social e civil. Porém, um número menor sabe que o século XIX foi de extrema instabilidade, com guerras civís, anexações, desmembramentos etc, parte disso durante o curto período entre a vitória sobre os espanhóis e a a volta dos mesmos, a Reconquista. Enquanto os espanhóis resolviam seus conflitos europeus e se preparavam para reconquistar o espaço latino-americano, os latino-americanos lutavam entre si. Esse período foi chamado de "La Patria Boba" e se referia ao espaço da Gran Colombia, mas poderíamos ampliá-lo para toda a América Latina.



Ninguém sabe ao certo quanto décadas de violência deixam atrás, para as gerações futuras. Acredito que muito. No mundo contemporâneo, o tiro e a bala desalojaram o murro, o ponta-pé, o canivete e a faca como instrumentos de "resolução" de conflitos. Há áreas (como algumas favelas cariocas) em que mais de noventa por cento dos homicídios são com armas de fogo. Em áreas mais amplas, como cidades, a percentagem pode superar sessenta por cento.


Por isso é importante estudar o impacto das armas de fogo sobre os homicídios. Não é questão fácil porque já se tornou ideológica, além de ser área na qual há muitos interesses econômicos, empresas, industriais e comerciais, que dependem da fabricação e venda de armas e munições.
Com que se mata? Os dados disponíveis sobre Bogotá dizem que 79% dos assassinos usam revólveres e 19% usam pistolas. Todos os demais tipos de armas de fogo, juntos, respondem por apenas 2% do total. Controlá-los teria um impacto muito menor do que controlar revólveres e pistolas.





Há muita variação por calibre. Os revólveres calibre 38, o três oitão, dominam.
Não é muito diferente no Brasil.
Mas, afinal, o desarmamento aumenta ou diminui os homicídios?
Cali e Bogotá apresentam uma oportunidade excepcional para um quase-experimento natural: o porte de armas foi suspenso e permitido em períodos alternativos. Comparando os períodos com armas e os períodos sem armas temos uma excelente idéia. Os resultados mostram uma redução significativa durante o período
sem armas: 13% em http://www2.blogger.com/post-create.g?blogID=24321474#
Post Options Cali e 14% em Bogotá.


Alguns teorizam que a taxa de homicídios indica a carga agressiva de uma sociedade. Porém, essa equação é incompleta: dependendo da eficiência das armas mais usadas, a taxa pode ser maior ou menor sem que houvesse modificação no potencial. Sociedades com taxas mais baixas de homicídio podem ter carga agressiva mais alta, mas usar armas menos eficientes, como objetos cortantes e perfurantes.


A Colômbia, além de experiências bem sucedidas de redução da violência no país como um todo, e em muitas cidades como Bogotá e Medellín, tem muitos bons criminólogos, que sabem pesquisar, pesquisam de fato, metem a mão na massa. Um deles, Bejarano Ávila, foi assassinado por isso.
Aconselho os leitores a consultar alguns deles. Por exemplo:

Villaveces, A; Cummings, P; Espitia, V; Koepsell, T; McKnight, B; Kellermann, A . "Effect of ban on Carrying Firearms in 2 Colombian cities". The Journal of the American Medical Association. Vol. 283 No. 9.
Formisano, M. (2002) "Econometría espacial: características de la violencia homicida en Bogotá". Universidad de Los Andes, Documento CEDE N° 2002-10.
Beltrán, I; Fernández, A; Llorente, M;Salcedo, E. (2003). "Homicidio e intención
letal: un estudio exploratorio de heridas mortales a partir de los protocolos de necropsia en Bogotá". Borradores de Método N° 4 e
Beltrán, I; Forero, L. (2004). "Una descripción de las armas de fuego homicidas en
Bogotá para el año 2002 y una propuesta para aumentar el costo de servicio del homicidio". Borradores de Método N° 27
Sánchez, F; Espinosa, S; Rivas, A. (2003)."¿Garrote o Zanahoria? Factores asociados a la disminución de la violencia homicida y el crimen en Bogotá, 1993-2002". Universidad de Los Andes, Documento CEDE N° 2003-27.
CERAC desenvolve várias pesquisas de interesse. Ver aqui.

2.20.2007

A formatura, a redução da criminalidade e a Teoria Política

Uma pesquisa de Lance Lochner e Enrico Moretti, The Effect of Education on Crime: Evidence from Prison Inmates, Arrests, and Self-Reports (NBER Working Paper No. 8605, November 2001) mostra a importância de terminar o curso secundário (12a série) na guerra contra o crime. Os estados americanos que mudaram suas leis para obrigar pais e menores a observarem a freqüência às aulas (state compulsory attendance laws) mostram uma redução significativa nas taxas de prisões tanto entre brancos quanto entre negros. Usaram regressões para estimar o impacto de cada formatura (primário, junior high school, high school). Terminar a high school reduz a taxa de prisões em 0,76% entre jovens brancos e em 3,4% entre jovens negros. Como esperado, o impacto é maior em uns crimes do que em outros. Os crimes com maior impacto são o homicídio, a agressão violenta e furto/roubo de veículos. Usando dados de pesquisas entre jovens para separar o efeito da redução nos atos criminosos e o efeito da formatura sobre a probabilidade de ser preso concluíram que há um efeito independente da redução nos atos criminosos e que uma parte importante dos retornos aos gastos com educação se deve a externalidades provocadas pela redução nos atos criminosos.

Sem pesquisas, não há como saber como funcionam os números no Brasil. Por um lado, são poucos os cientistas sociais que sabem pesquisar e efetivamente pesquisam; pelo outro, há escassez de recursos para pesquisas criminológicas no Brasil. Não é prioridade. Reitero que o que Lula deu de mão beijada como aumento de preço do gás a Evo Morales somente esse ano é uma quantidade muito superior a todos os gastos com pesquisas criminológicas já feitas no Brasil.

Há parâmetros indiretos que poucos levam em consideração na análise do crime: políticas públicas que funcionam de maneira a maximizar cada real extraído do contribuínte brasileiro dependem da realização de pesquisas por cientistas sociais competentes que saibam pesquisar e não gastem mais do que o necessário, o que também requer recursos públicos para as pesquisas.

O efeito das políticas públicas, de bons governos (que salvam vidas) e de governos corruptos e/ou incompetentes sobre as taxas de criminalidade e de mortes violentas não é apenas direto, através da ação policial. Há uma intrincada rede de responsabilidades que passa pela implementação de políticas públicas baseadas em conhecimento e não em chute

2.19.2007

Mudanças nas taxas de prisões e conseqüências sobre os crimes violentos

Nos Estados Unidos, também há uma polêmica a respeito dos crimes cometidos por menores de idade e das medidas apropriadas a serem tomadas. Embora o declínio acelerado na criminalidade durante a Era Clinton e a continuidade parcial desse declínio durante os primeiros anos de Bush tenham reduzido o "sentido de urgência", a polêmica persiste.

Entre 1978 e 1993 houve um aumento de 79% nas prisões de menores por crimes violentos (com freqüência contra outros menores), quase três vezes o aumento dos adultos. Pior: no que concerne homicídios, as prisões de menores aumentaram 177%, ao passo que os homicídios por adultos já começavam a cair - 7%.

Não obstante, os crimes contra a propriedade não aumentaram, nem entre menores, nem entre adultos: as taxas foram estáveis.

O que passou? Como explicar isso?

Para explicar o aumento dos crimes por menores teríamos que preconizar que os menores mudaram drasticamente em pouco tempo. O pensamento criminológico brasileiro não é afeito a mudanças nas pessoas. Aposta mais nas estruturas ou, na falta de mudança nelas, nas sub-culturas. A responsabilidade última está fora do indivíduo. Stephen Levitt combina mudanças fora com respostas de dentro: o aumento dos crimes violentos por menores e a diminuição dos mesmos crimes por adultos tem que ver com a teoria e a prática judicial e policial. Porém, passa pela racionalidade dos menores e dos adultos. Entre 1978 e 1993, a relação entre prisões de adultos em penitenciárias estaduais e federais e o número de crimes cometidos no mesmo período aumentou. Era 0,34 (ou seja, uma prisão para cada três crimes violentos) para 0,55. Porém, no caso de menores a tendência foi no sentido oposto: de 0,36 (uma prisão para cada três crimes violentos) para 0,29.
Há problemas com esses dados. Por um lado, muitas prisões de menores são para crimes de pouca importância, contra a propriedade. Além disso, a probabilidade de prisão e confinamento não mede toda a diferença na punição: o encarceramento juvenil, nos Estados Unidos, é uma coisa; o adulto é outra - muito pior. Assim, o mesmo tempo de confinamento em prisões de juvenís e em prisões de adultos não se traduz na mesma pena, incluída na definição o preço físico e psicológico pago pelo crime.
Todos esses dados supõem uma escolha racional. Diante da probabilidade de prisão e do tipo de pena (duração, dureza, condições na prisão), os criminosos fariam uma escolha. Desde o célebre artigo de Gary Becker, ‘‘Crime and Punishment: An Economic Approach.’’ J.P.E. 76 (March/April 1968): 169–217 que muitos economistas definem o crime como uma escolha racional dentro de parâmetros baseados na informação disponível para cada pessoa.

E a direita?


A direita agressiva se fez representar nesse debate no trabalho de William J. Bennett, William J.; John J. DiIulio Jr.; e John P.Walters, com o sugestivo título de Body Count: Moral Poverty—and How to Win America’s War against Crime and Drugs. New York: Simon & Schuster, 1996. Usaram uma expressão, os super-predadores, para descrever muitos dos jovens criminosos. Ironicamente, a descrição é tão radical que os descreve como um psiquiatra descreveria um psicopata, abrindo o caminho para uma doutrina de defesa baseada na impossibilidade de diferenciar o bem do mal. "...para esses...jovens, as palavras "certo" e "errado" não tem significado moral."

Irônicamente, esses autores descreveram o super-predador como doli incapax. Incapaz de dolo por ser incapaz de distinguir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. Para ser coerente, outras coisas sendo iguais, os super-predadores deveriam ser mantidos em prisões psiquiátricas e não em prisões comuns. Como há quase consenso de que psicopatas são incuráveis e que, se soltos, voltarão a cometer crimes violentos, ficariam nessas prisões/hospitais por toda a vida.

A legislação de que necessitamos requer pesquisa nas condições brasileiras. Não só os criminosos fazem escolhas - nós também. E precisamos de informação para escolher bem, cada um de acordo com seus valores, com base em dados e fatos e não em mitos e achismos.

2.18.2007

Usando o aumento de penas para diferenciar entre incapacitação e dissuasão

    Um artigo de Kessler e Levitt estabelece uma diferença entre dissuasão e incapacitação. A incapacitação se refere aos crimes que os indivíduos não podem fazer porque estão presos. A dissuasão se refere à redução de crimes por outras pessoas não diretamente atingidas pela incapacitação. Quando uma lei que "endurece" é aprovada e há uma redução no crime, como saber se foi um efeito ou o outro?

    Há endurecimentos que se referem ao aumento das penas já existentes e não à criação de novas penas. Se decidirmos, hoje, que usar arma de foto em assalto aumentará a pena em dez anos poderemos ver o efeito sobre a dissuasão.

    Foi o que aconteceu na Califórnia através da aprovação, em referendo, da Proposition 8, que agravou as sentenças de um conjunto de crimes. A estimativa de Kessler e Levitt nos diz que houve uma redução de 4% daqueles crimes no ano seguinte à aprovação, que aumentou para 8% três anos depois da aprovação. O impacto dessa lei continuou a aumentar entre 5 e 7 anos depois da aprovação, o que é consistente com a hipótese de que o efeito conhecimento/dissuasão leva tempo até atingir a quase totalidade da população com risco alto e médio.




Using Sentence Enhancements to Distinguish between Deterrence and Incapacitation:

2.02.2007

A campanha contra o tráfico e a resposta dos traficantes

A luta contra o tráfico tem muitos efeitos. Num modelo que soma zero, quem não consegue o dinheiro que quer através de uma atividade criminosa que foi bloqueada, vai para outra atividade criminosa. Passaria a assaltar. Os dados a que temos acesso, até agora, não apoiam esse modelo de maneira tão mecânica.

Primeiro, muitos criminosos não são criminosos com dedicação exclusiva. Assaltam num momento, fazem uma entrega legítima noutro, ajudam numa construção numa terceira e assim por diante. O bloqueio de uma atividade ilícita, o tráfico, não os redireciona obrigatoriamente para outra atividade ilícita. Depende das oportunidades presentes.

Segundo, há níveis de impedimento ético diferente. Muitas pessoas furtam oportunisticamente (como afanar uma carteira deixada num banheiro público, sem procurar devolvê-la); outros vão um passo além e intencionalmente furtam algo (metem a mão numa bolsa e tiram dinheiro); terceiros roubam (com uso de força e/ou violência), como puxar a bolsa da mão ou ombro da pessoa; a próxima escala é o assalto; seguido do assalto a mão armada. O homicídio e o latrocínio estão no alto dessa escalada. O uso da força e da violência também acarreta a possibilidade de força e violência contra o criminoso.

Terceiro, e mais importante, o redirecionamento da atividade depende de oportunidades de outras atividades rentáveis e do poder da dissuasão do sistema policial e judiciário. Como andamos mal, muito mal, nessas duas áreas (e aqui, no Rio de Janeiro, andamos muito mal mesmo), uma percentagem maior de pessoas buscará e não encontrará atividades não-criminosas sem que sejam dissuadidas de escalar um ou dois degraus no crime.

Quarto, a idade ajuda. A relação curvilinear, clara e universal, entre idade e crime (o criminoso é jovem, adolescente ou jovem adulto) significa que muitos que estiveram no crime desistem com a idade. Mais uma vez, oportunidades de trabalho, por um lado, e tanto a dureza da pena quanto a certeza da punição influenciam a forma dessa curva.