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3.14.2007

Quando o caro sai barato

Publicado no Correio Braziliense de 08/03/2007


Idealmente, a educação seria igual para todos. Porém, a desigualdade cognitiva entre as crianças é muito grande antes de entrarem na escola. Nos Estados Unidos, classe social e raça são importantíssimas para estabelecer essa desigualdade. Antes que a escola exerça qualquer influência, o escore cognitivo médio das crianças de classe média já é 60% mais alto do que o das crianças mais pobres. O entendimento de matemática, requisito de muitas ocupações, é mais baixo entre negros (21%) e entre hispânicos (19%) do que entre brancos.

Como? Em parte, através da família. Apenas 15% das crianças brancas vivem com, apenas, um dos pais; essa percentagem quase dobra entre os hispânicos e atinge 54% das crianças negras. A classe também influi: 10% do quintil mais rico vivem em famílias incompletas, em contraste com 48% do mais pobre.

A distância cognitiva que separa crianças brancas de classe alta e média das crianças negras pobres é grande. Um bloco pesado das crianças atrasadas é composto por filhos e filhas de mães solteiras, negras e pobres. O sexo itinerante e a irresponsabilidade paterna condenam muitas crianças ao atraso cognitivo e a privações de todo tipo. É um problema mundial. Segundo a Eurostat, a privação econômica das famílias incompletas é quatro vezes maior do que a das completas.

As diferenças passam pelas expectativas educacionais, os hábitos de leitura e o uso da televisão. Mercy e Steelman demonstraram que as correlações entre o vocabulário da criança e a educação dos pais são mais altas do que com a renda familiar. Mais de 8% dependem diretamente da educação da mãe e outros 8% da do pai. Quando entram no primário já existem amplas desigualdades, sobre-determinando a probabilidade de serem criminosos.

Investimentos estratégicos na educação rendem frutos para a Segurança Pública. Explico: nos Estados Unidos, 70% dos jovens terminam o segundo ciclo. Os trinta por cento não chegam lá contribuem desproporcionalmente para a criminalidade. Harlow, em 2003, demonstrou que 75% dos detentos em prisões estaduais não terminaram o segundo ciclo.

Muitos ideólogos acusam injustamente a escola e buscam a solução no estado. Porém, há diferenças enormes criadas antes da idade escolar e muitos estudantes chegam ao segundo ciclo em flagrante desvantagem. A interação entre o sistema educacional e os estudantes atrasados, suas famílias e seus comportamentos é muito difícil. Um terço dos criminosos abandonou a escola devido aos problemas acadêmicos, aos problemas comportamentais e à perda de interesse. Como manter a qualidade da escola e atender os que chegam com sérias deficiências? Não é tarefa fácil, mas vale a pena. Na Grã Bretanha, quase dois terços dos que abandonavam a escola cedo acabavam se metendo no crime. A criminalidade juvenil afeta todos os países. Na França, triplicou o número de jovens entre 13 e 18 presos por crimes na década de 90, majoritariamente minorias de baixa educação.

Quais as relações entre educação e crime no Brasil? Infelizmente, há poucos dados. A educação é uma área em crise e a sociologia também. Há muito discurso, muita ideologia e pouca pesquisa e o grosso das pesquisas sérias está sendo feito na Saúde Pública e na Economia.

No Brasil, uma das poucas pesquisas entre presos foi feita na Papuda, em 1997. Revela que três em cada quatro presos não terminaram o primeiro grau e apenas 7% tinham algum segundo grau ou mais. Os jovens com baixa escolaridade também têm as mais altas taxas de vitimização por homicídios, que cai dramaticamente entre os que terminam o primeiro grau.

Nos Estados Unidos é crucial terminar o segundo ciclo, mas no Brasil basta terminar o primeiro ciclo. Os pontos de inflexão da relação entre educação e crime não são fixos e sim contexto-dependentes. O crime e a violência respondem mais ao lugar que cada nível educacional ocupa no sistema social e menos ao nível absoluto de desenvolvimento cognitivo médio de cada ciclo.

Alguns investimentos educacionais são investimentos na Segurança Pública. Moretti, em 2005, estimou que um aumento de dez por cento na taxa masculina de formatura reduziria os homicídios e as prisões em 20% e furto/roubo de veículos em 13%. Aumentar a formatura no segundo ciclo e a matrícula no nível superior em 5% economizaria oito bilhões de dólares cada ano.

Na prevenção do crime, o caro sai barato

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