Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

11.28.2006

Armas de fogo, suicídios de jovens e teorias de oportunidade

OS FACTÓIDES QUE ABREM A QUESTÃO

* A eficiencia das armas de fogo se reflete no fato de que para cada suicídio que se materializa há menos de um que fracassa
* Nos Estados Unidos, em 1992, um jovem entre 10 e 19 se suicidou com arma de fogo cada seis horas (1.426 num ano)
* O CDC informa que o aumento na taxa de suicídios se deve ao uso de armas mais letais (de fogo)
* Entre 1980 e 1992, nos USA, a taxa de suicidios entre 15 e 19 aumentou 26,3%, mas entre 10 e 14 aumentou 120%; entre negros 15 a 19 o aumentou foi de 165,3%
* As armas de fogo sao responsáveis por 81% do aumento no suicídio de jovens
* A existência de uma arma de fogo em casa dobra a probabilidade de que um adolescente se suicide
* Entre 1960 e 1980, o número de mulheres que se mataram usando armas de fogo mais do que dobrou, ao passo que o número das que usaram outros meios aumentou em 16%
* A maioria dos suicídios de teenagers é “ impulsiva”, não planejada, e 70% ocorrem em casa


A explicação para a relação entre armas de fogo e suicídio

* Suicídio e homicídio têm "janela", um impulso auto-destrutivo e/ou vingativo que não dura para sempre; tem prazo de validade.
* Durante essa janela, o acesso a armas de fogo multiplica o risco de morte
* Passada a janela, o impulso suicida ou homicida se reduz ou, até mesmo, acaba

Esses dados apoiam as teorias explicativas baseadas no conceito de oportunidade.

Álcool no sangue de suicidas

Uma pesquisa recente revela que um terço dos suicidas tinha álcool no seu sistema e dez por cento tinham outras drogas, como opiacias, cocaina, maconha, ou anfetaminas. Os pesquisadores do CDC publicaram os resultados em 24/11/2006 no CDC's Morbidity & Morbidity Weekly Report. Para ver clique aqui.
Citação:
Karch, D, Crosby, A, Simon, T. (2006) Toxicology Testing and Results for Suicide Victims --- 13 States, 2004. MMWR Weekly, 55(46): 1245-1248.

Muitos suicídios são oportunistas e o álcool e outras drogas abrem janelas oportunistas. A combinação com circunstâncias facilitadoras, como as armas de fogo, pode significar uma tentativa ou uma morte. Não é uma participação menor: um de cada três suicidas, nessa pesquisa realizada em 13 estados americanos.
Infelizmente, não realizamos testes toxicológicos nas vítimas de mortes violentas. Ainda que, em consonância com pesquisas realizadas em diversos países, devamos encontrar uma percentagem elevada também no Brasil, e tenhamos encontrados dados em pesquisas pontuais realizadas no Brasil, precisamos monitorar esse fenômenos através de exames regulares.

Sublinho que o efeito direto sobre o suicida é apenas um dos caminhos através dos que o álcool e o alcoolismo aumentam a probabilidade de suicídio.
A venda de bebidas alcoólicas a algumas categorias de pessoas é crime - menores, por exemplo. Seguindo uma racionalidade empírica, a lista pode (deve?) ser ampliada e cobrir outras categorias em situação de risco.


11.25.2006

Políticas focalizadas

As políticas focalizadas concentram esforços em grupos/categorias/horários/dias da semana etc com altas taxas de criminalidade. As políticas focalizadas não excluem outras políticas mais gerais, como o controle de armas e da venda de bebidas alcoólicas.
A Secretaria de Defesa Social do Estado de Minas Gerais está usando programas focalizados. Os dados sobre homicídios no primeiro semestre de 2005 e 2006 mostram que o programa FICA VIVO é um sucesso. Em Belo Horizonte, os homicídios baixaram de 602 para 483, ou 20%; mas nas áreas em que o FICA VIVO foi implementado a redução foi de 50%. No Alto Vera Cruz e Taquaril, a redução foi de 59%. São resultados que impressionam.
O programa não exclui outras medidas que também estão dando certo, mas certamente deve ser estudado e possivelmente incluído entre as medidas recomendadas a governos que queiram seriamente reduzir a criminalidade violenta. Não é o único programa e cada programa deve ser visto em função dos grupos de mais alto risco naquele contexto. Em Boston, eram gangues, e as políticas deram certo.

11.06.2006

Mais sobre alcoolismo e Lei Seca: dados da Venezuela

A íntima associação entre o consumo de álcool e as mortes violentas não é novidade. Talvez seja uma das associações mais confirmadas empiricamente. Exames toxicológicos mostram a elevada alcoolemia em percentagem elevada de vítimas. Vejamos, além dos vários que já mostramos neste blog, um relatório sobre a Venezuela:

  • "El alcohol esta involucrado en el 50% de los homicidios y suicidios (MS, 2000) y el 40% de los accidentes de tránsito se deben a la ingesta de productos alcohólicos. Los estudios sobre la prevalencia del consumo de bebidas alcohólicas en el año 2003 reportan 31% de consumidores habituales de alcohol (CONACUID, MSDS y otros, 2003). La edad de inicio se ubicó entre 10 y 19 años; el estudio reporta que el 36,7 % inicia entre los 10 y 14 años y 48,21% inicia entre los 15 y 19 años de edad. La encuesta del CONACUID de octubre-noviembre del 2005 confirma los niveles de alcoholismo existentes."

Não há muito o que argumentar. O álcool é uma das principais condições facilitadoras das mortes violentas. Leis que restrinjam o consumo de álcool reduzem as mortes violentas, como demonstrado pelos dados de muitos, muito países.

11.03.2006

Bogotá continua salvando vidas!


Ospina Restrepo tem toda razão para estar satisfeito: a taxa de homicídios em Bogotá voltou a descer no primeiro semestre de 2006, sendo a mais baixa em várias décadas. Garzón, o prefeito, não deu a atenção que muitos esperavam às medidas de Antanás Mockus. Não houve ganhos de 2003 a 2005, mas o primeiro semestre de 2006 revela que os homicídios baixaram para um novo patamar.

  • A taxa de 18 por 100 mil habitantes é, para cidades latino-americanas, invejável. É, aproximadamente, igual à taxa de mortes por suicídio em Cuba.
  • Para cada morte por homicídio ocorrida em Bogotá, Caracas tem seis (relativamente à população), e algumas capitais centro americanas tem quase dez!!!
  • É evidente que temos que estudar Bogotá e todos os demais casos de sucesso na redução das mortes violentas.
  • O que inclui Operación Desarme, Ley Zanahoria, Reforma de la policia etc

Os horários da morte homicida em Cali


Os dados de Santiago de Cali referentes ao primeiro trimestre de 2006 confirmam o que encontramos no Rio de Janeiro:

  • o horário mais perigoso é 18hs-24hs;
  • porém, o segundo mais perigoso é 00hs às 06hs, sobretudo nos domingos e segundas
  • o que indica que são as noites de sábado e domingo que, em Cali, se desloca para horários mais tardios, adentrados pela manhã do dia seguinte
  • o que ressalta o caráter cultural dos horários de mais alto risco
  • há, evidentemente, semelhanças culturais, inclusive na organização do tempo em semanas e das atividades quotidianas, com escola e trabalho concentradas no dia e diversão nas noites
  • em Cali, a noite de sábado, que se prolonga até altas horas entrados os domingos, é o período mais perigoso da semana.

Redução de suicídios em Bogotá

As campanhas de segurança em Bogotá tiveram conseqüências para as taxas de suicídio, salvando inúmeras vidas. Há, pelo menos, duas medidas incluídas no pacote inicial de Mockus que contribuíram para baixar os suicídios: o fechamento dos bares e a proibição de vender álcool e o desarmamento.

Muitos suicídios são oportunísticos. Na depressão e, sobretudo, na bipolaridade o álcool pode contribuir diretamente, através do suicida, ou indiretamente, como reação ao alcoolismo de alguém mais ou como reação de alguém mais ao alcoolismo do suicida.


A redução de perto de um terço no número absoluto de suicídios entre 1999 e 2005 é, apenas, mais um benefício das medidas mencionadas.

Os dados mostram, também, que os homens (em azul) apresentam mais suicídios do que as mulheres (em laranja), em todos os sete anos para os quais obtivemos dados. Essas diferenças confirmam as que encontramos no Brasil.

Vidas humanas não podem depender de ideologia nem dos interesses do lobby da bala ou da indústria da cirrose

11.01.2006

Sérgio Cabral e os batalhões noturnos de policiamento

Clique em cima das figuras para vê-las melhor.

A primeira proposta de Sérgio Cabral surpreendeu positivamente. Pretende criar um batalhão especial para o policiamento noturno, medida que muitos de nós preconizávamos há anos sem que a medida fosse adotada. A razão é simples e tem a ver com o horário durante o qual há maior número de ocorrências de homicídios (de 18hs às 24hs.) A Figura ao lado mostra como esse horário merece atenção especial. Em 2002, 36% dos homicídios ocorreram nessa faixa do horário, ao passo que aproximadamente vinte por cento ocorreram em cada uma das demais faixas. Esse é o dado, factóide se quizerem, que mostra a necessidade de termos um reforço do policiamento nessas horas.
  • Os horários noturnos provocam problemas de saúde; porém, há quem afirme que a gangorra (pular de um horário para outro, e de volta) é pior. É medicamente desaconselhada. Provoca descompassos. Por isso, a formação de batalhões noturnos, de um turno feito regularmente pelas mesmas pessoas, é excelente medida. Evidentemente, requer compensação adequada e treinamento.
  • Depois das 22hs, particularmente depois da meia noite, os homicídios caem vertiginosamente, mas a queda não implica em que entre as 22hs e as 02hs estejamos seguros. A segurança maior só é atingida mais tarde, às das três às cinco da madrugada, como atestam os dados sobre os homicídios ocorridos em 2002.

  • Essas não são "leis" biológicas, mas tendências sociais. Os horários de mais alto risco dependem dos hábitos e costumes da sociedade em qüestão; em sociedades nas que a diversão de jovens, que inclua drogas legais e ilegais, é diferente, o risco acompanha esse horário.
  • Políticas inteligentes usam todo o conhecimento e toda a informação existentes. O número de ocorrências também varia com o dia da semana. No Rio de Janeiro, há uma grande concentração no sábado e no domingo.
  • Nos fins de semana, as ocorrência são substancialmente mais numerosas do que de segunda a sexta, inclusive. Por isso, a atenção preventiva deve levar o dia da semana em consideração na distribuição da força policial.
  • Quase 40% dos homicídios ocorrem em apenas dois dias da semana, sábado e domingo

  • A distribuição racional de recursos policiais no tempo, com concentração no período das 18hs até as 02:00hs do dia seguinte, contribuirá para reduzir a violência e o número de homicídios. A combinação entre os dias da semana e os horários promete resultados ainda melhores.
  • Evidentemente, há muitas outras medidas de comprovado sucesso que gostaríamos de ver o governador eleito adotar e implementar, mas a medida anunciada é um início alvissareiro

O uso concomitante de critérios de horários e de dias da semana permite uma distribuição ainda melhor da força policial. Os dados relativos mostram que há variação entre os horários mais perigosos por dia da semana.


Porém, os números absolutos mostram que o efeito dos rítmos combinados. O horário noturno (18hs-24hs) pesa mais, relativamente ao total, nas quintas.

O horário da manhã (0:01hs às 06:00hs) é relativamente menos perigoso de terça a quinta.