Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

3.20.2007

O Efeito Werther e o Suicídio: a importância da resposta do público

Na década de 1770, segundo Paul Marsden do Graduate Research Centre in the Social Sciences, University of Sussex, a Europa foi invadida pela moda de usar calças amarelas, casacos azuis e camisas abertas. O que teria havido? Houve a publicação do livro de Johann Wolfgang von Goethe, As Desventuras do Jovem Werther, em 1774. Werther era um jovem apaixonado por Charlotte, mulher com um casamento feliz. No livro, Werther se mata. O livro acabou sendo proibido em vários países. A razão? Junto com a epidemia das roupas, sobreveio uma epidemia de suicídio de jovens enfadados. A esta influência, convencionamos chamar de Efeito Werther. Outro nome seria o efeito-imitação.
Estudos mais recentes relacionam a atenção dada pela mídia ao suicídio e seu efeito sobre os suicídios. Alguns estudos demonstraram esse efeito - em alguns casos, mas não em todos, as taxas aumentaram. Claro, a gigantesca maioria das pessoas não imitou o suicídio divulgado e as pessoas, idosas ou não, continuaram vivendo suas vidas. O que diferencia os "influenciáveis" dos demais? Steven Stack critica os estudos sobre suicídios imitativos por deixarem de fora o conceito de "audience responsiveness", o grau em que um público responde a um estímulo e quem compõe esse público. O conceito é de Blumer.
Duas sub-teorias competem nessa explicação:

• uma afirma que as pessoas que, por quaisquer razões, estavam predispostas são as de maior risco;
• outra afirma que as pessoas mais parecidas com o suicida divulgado são as de maior risco;
porém, nada impede que combinemos as duas.

A pesquisa de Stack sublinha que o risco de suicídio entre os idosos é mais alto: dificuldades econômicas, solidão, e doenças (físicas e mentais) tornariam os idosos um público com mais alto risco. Usou séries temporais e marcou os meses em que algum suicídio era divulgado pela mídia. Seus resultados indicam que os meses nos quais um ou mais suicídios foram amplamente divulgados o número de suicídios de idosos aumentou de dez suicidas(dez suicídios mensais a mais do que a média, que era de 369). O efeito era maior quando o suicídio era de um idoso ou idosa. Aí eram 19 suicídios adicionais.
Essa e outras razões fizeram com que a mídia em muitos países tenha um código de ética a respeito da publicação de notícias sobre suicídios. Com razão: o efeito Werther já foi comprovado inúmeras vezes. Detalhe: o suicídio de pessoas que não eram "célebres" não aumentou os suicídios dos idosos.
O artigo de Stack foi publicado em Journal of Aging Studies, Volume 4, Issue 2, Summer 1990, Pages 195-209.

3.15.2007

A legalização da maconha II

Gláucio,

Eu concordo que a equação não está completa. Você se esqueceu de
considerar um conjunto enorme de questões, como o respeito às
liberdades individuais, a discriminação racial agravada pela
repressão, os danos ecológicos provocados pela "guerra às drogas" em
países como a Colômbia. Sem contar que o uso de substâncias
psicoativas nem sempre é problemático, como você deve saber.

Portanto, há uma falha no seu argumento. Caso haja comprovação
experimental de outros cientistas (como você também já deve saber, é
assim que a Ciência funciona
), esse estudo revela, no máximo, que
existe um grupo de pessoas para as quais o uso de maconha não é
recomendado. Da mesma forma existem pessoas para as quais não se
recomenda o ácido acetisalicílico (presente na aspirina). Seria esse
um motivo para se proibir tal substância?

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Recebi a carta acima de um leitor do blog que ilustra como as questões relacionadas com a Segurança Pública se transformaram em questões políticas com forte dose ideológica e com traços de combate pessoal. As pessoas pegam fogo e partem para agressões, nem sempre sutis como a do missivista, cuja identidade protegi através do anonimato. Precisamos, de alguma maneira, retirar essas questões do âmbito ideológico e, particularmente, do pessoal.

Como fazer para superar isso? Como transformar as teses que são defendidas “contra viento y marea” por hipóteses que tentamos testar?

Caso os leitores necessitem de informação a respeito da minha formação e da produção científica é só entrar na Plataforma Lattes.

Uso o ensejo para sublinhar problemas com o argumento:

Apresentar um elenco de razões sem prioridades é fácil; estabelecer o peso relativo de cada variável é difícil;
Os dados contrários são importantes. Quantas vidas foram salvas pelas políticas implementadas na Colômbia, tanto por prefeitos excepcionais como Guerrero, Mockus, Peñaloza, Garzón, quanto pelo governo federal de Uribe?

A literatura empírica sobre os danos causados pelo uso de drogas é gigantesca, imensa. Quem trabalha em instituição universitária, sabe ler em Inglês e não é refratário a números e estatísticas, pode e deve consultar o Portal CAPES de Periódicos, colocado à nossa disposição, onde encontrará parte grande dessa literatura. A busca pode ser efetuada usando o próprio Portal, Google Scholar e outros instrumentos de pesquisa através da internet.

3.14.2007

A legalização da maconha

Decisões que nos afetam são tomadas constantemente por pessoas sem conhecimento nem informação adequadas sobre aquele tema específico, começando pelo Presidente da República, ministros, senadores, deputados, governadores etc. Dependendo da área, ocupantes de cargos decisórios podem nem saber a quem consultar. Essa deficiência é, em parcela que creio razoável, conseqüência de um sistema universitário que permite que entremos e terminemos uma carreira sem ter noção do que passa em outras áreas. O ensino das ciências, no Brasil, tem sido particularmente deficiente e nosso cargos públicos estão preenchidos, em quase a totalidade, por pessoas que pouco ou nada sabem sobre o que a(s) ciências(s) tem a contribuir sobre aquele tema. O que é pior: muitos acham que sabem.

Discutimos, mais uma vez, a descriminalização e a legalização de drogas. Creio que os prováveis benefícios são conhecidos, dada a associação entre o tráfico de drogas e a violência.
Se forem apenas esses os termos da equação, a escolha é óbvia: descriminalização já!

Mas a equação não está completa: há um preço a pagar.

Eu subscrevo PsychiatryMatters MD e outras publicações que me informam sobre as pesquisas de fronteira em psiquiatria. No número de hoje, quarta-feira, 14 de março, há um interessante artigo sobre defeitos no cérebro e o uso de maconha entre esquizofrenicos.

O que a pesquisa sugere é a existência de defeitos no cérebro (no anterior cingulate) entre pessoas que sofrem seu primeiro episódio esquizofrênico e o uso de maconha. Os autores concluem que "os resultados são compatíveis com a hipótese de que alterações estruturais na massa cinzenta em pacientes com esquizofrenia que usam maconha podem estar associadas com a incapacidade de tomar decisões sensatas e mediam a compulsão ao uso de drogas". Foram pesquisados 51 pacientes com o seu primeiro episódio de esquizofrenia e 56 controles, que não eram doentes mentais, usando ressonância magnética. Os usuários de maconha tinham menos massa cinzenta no anterior cingulate (parte do sistema límbico; os psiquiatras acreditam que participa de integração entre a cognição e as emoções) do que os demais pacientes, que não usavam maconha, e os controles. Os pacientes que não usavam maconha e os controles tinham volumes parecidos nas diversas áreas estudadas.

Decisões arriscadas são tomadas por pessoas que usam drogas, de acordo com um grande número de pesquisas. Os que usam maconha tendem a tomar decisões com gratificações imediatas a despeito de perdas pesadas a médio e longo prazo.

Há, claro, uma possibilidade de endogenia nas pesquisas entre esquizofrênicos: o uso de maconha reduz a massa cinzenta ou a deficiência na massa cinzenta predispõe ao uso de maconha?

Evidentemente, é uma consideração importante que merece ser estudada e entrar na equação. Porém, não aparece na equação simples (às vezes simplória) dos que apresentam a descriminalização (ou até legalização) desta ou daquela droga como uma decisão política que só tem benefícios. Temos que avaliar os custos e os benefícios.

O estudo original foi publicado no

Br J Psychiatry
2007; 190: 230-236



Pesquisa Já!

Quando o caro sai barato

Publicado no Correio Braziliense de 08/03/2007


Idealmente, a educação seria igual para todos. Porém, a desigualdade cognitiva entre as crianças é muito grande antes de entrarem na escola. Nos Estados Unidos, classe social e raça são importantíssimas para estabelecer essa desigualdade. Antes que a escola exerça qualquer influência, o escore cognitivo médio das crianças de classe média já é 60% mais alto do que o das crianças mais pobres. O entendimento de matemática, requisito de muitas ocupações, é mais baixo entre negros (21%) e entre hispânicos (19%) do que entre brancos.

Como? Em parte, através da família. Apenas 15% das crianças brancas vivem com, apenas, um dos pais; essa percentagem quase dobra entre os hispânicos e atinge 54% das crianças negras. A classe também influi: 10% do quintil mais rico vivem em famílias incompletas, em contraste com 48% do mais pobre.

A distância cognitiva que separa crianças brancas de classe alta e média das crianças negras pobres é grande. Um bloco pesado das crianças atrasadas é composto por filhos e filhas de mães solteiras, negras e pobres. O sexo itinerante e a irresponsabilidade paterna condenam muitas crianças ao atraso cognitivo e a privações de todo tipo. É um problema mundial. Segundo a Eurostat, a privação econômica das famílias incompletas é quatro vezes maior do que a das completas.

As diferenças passam pelas expectativas educacionais, os hábitos de leitura e o uso da televisão. Mercy e Steelman demonstraram que as correlações entre o vocabulário da criança e a educação dos pais são mais altas do que com a renda familiar. Mais de 8% dependem diretamente da educação da mãe e outros 8% da do pai. Quando entram no primário já existem amplas desigualdades, sobre-determinando a probabilidade de serem criminosos.

Investimentos estratégicos na educação rendem frutos para a Segurança Pública. Explico: nos Estados Unidos, 70% dos jovens terminam o segundo ciclo. Os trinta por cento não chegam lá contribuem desproporcionalmente para a criminalidade. Harlow, em 2003, demonstrou que 75% dos detentos em prisões estaduais não terminaram o segundo ciclo.

Muitos ideólogos acusam injustamente a escola e buscam a solução no estado. Porém, há diferenças enormes criadas antes da idade escolar e muitos estudantes chegam ao segundo ciclo em flagrante desvantagem. A interação entre o sistema educacional e os estudantes atrasados, suas famílias e seus comportamentos é muito difícil. Um terço dos criminosos abandonou a escola devido aos problemas acadêmicos, aos problemas comportamentais e à perda de interesse. Como manter a qualidade da escola e atender os que chegam com sérias deficiências? Não é tarefa fácil, mas vale a pena. Na Grã Bretanha, quase dois terços dos que abandonavam a escola cedo acabavam se metendo no crime. A criminalidade juvenil afeta todos os países. Na França, triplicou o número de jovens entre 13 e 18 presos por crimes na década de 90, majoritariamente minorias de baixa educação.

Quais as relações entre educação e crime no Brasil? Infelizmente, há poucos dados. A educação é uma área em crise e a sociologia também. Há muito discurso, muita ideologia e pouca pesquisa e o grosso das pesquisas sérias está sendo feito na Saúde Pública e na Economia.

No Brasil, uma das poucas pesquisas entre presos foi feita na Papuda, em 1997. Revela que três em cada quatro presos não terminaram o primeiro grau e apenas 7% tinham algum segundo grau ou mais. Os jovens com baixa escolaridade também têm as mais altas taxas de vitimização por homicídios, que cai dramaticamente entre os que terminam o primeiro grau.

Nos Estados Unidos é crucial terminar o segundo ciclo, mas no Brasil basta terminar o primeiro ciclo. Os pontos de inflexão da relação entre educação e crime não são fixos e sim contexto-dependentes. O crime e a violência respondem mais ao lugar que cada nível educacional ocupa no sistema social e menos ao nível absoluto de desenvolvimento cognitivo médio de cada ciclo.

Alguns investimentos educacionais são investimentos na Segurança Pública. Moretti, em 2005, estimou que um aumento de dez por cento na taxa masculina de formatura reduziria os homicídios e as prisões em 20% e furto/roubo de veículos em 13%. Aumentar a formatura no segundo ciclo e a matrícula no nível superior em 5% economizaria oito bilhões de dólares cada ano.

Na prevenção do crime, o caro sai barato

3.03.2007

Violência juvenil: exemplos e falta de dados


Paul D. Harms e Howard N. Snyder analisaram os dados relativos a homicídios de crianças e adolescentes de menos de 18 anos nos Estados Unidos.

Houve uma grande queda na vitimização que atingiu o seu ponto mais alto em 1993, com 2,880 mortes. Medidas locais de tipo preventivo, sobretudo policial, em vários lugares e o excelente desempenho dos indicadores econômicos durante os anos Clinton reduziram esse número para 1,610 mortos em 2000. Foi o número mais baixo em 15 anos. A taxa de 2.3 por 100,000 (crianças e adolescentes) foi a mais baixa em vinte anos. Em 1993, uma de cada oito pessoas assassinadas nos Estados Unidos tinha menos de 18 anos.

A delinqüência e da violência juvenis na faixa de 12 a 17 explodiu entre 1980 e 1993. O aumento na taxa foi de 163% entre negros e de 49% entre brancos. No período seguinte (1993 a 2000), a combinação entre boa economia e melhor polícia reduziu em 64% os homicídios entre negros e em 51% entre brancos.

O acesso a armas de fogo tem muito a ver com isso. Em 1980, 41% das mortes de pessoas com menos de 18 anos foram com armas de fogo; o acesso fácil às armas de fogo aumentou a percentagem para 61% em 1993, e o controle destas reduziu a percentagem a 47% em 2000.

As diferenças entre os gêneros também são muito fortes nos Estados Unidos. A taxa feminina de vitimização não mudou entre 1980 e 1998, para cair a um dos níveis mais baixos em 2000. Em contraste, a taxa masculina aumentou 117% entre 1984 e 1993. Isso demonstra que, nos Estados Unidos, a explosão das drogas e a conseqüente desorganização social afetou muito mais os jovens adolescentes do que as jovens adolescentes. O efeito não foi o mesmo entre homens e mulheres.

Como é no Brasil? Não sabemos! Não há informação e estatísticas confiáveis sobre os autores de crimes. Temos que depender do que possamos aprender com as pesquisas feitas em outros países (o que acarreta o perigo de generalizar indevidamente para condições diferentes) até que aprendamos a
• elevar a taxa de resolução de crimes;
• disponibilizar a informação para todos;
• treinar cientistas sociais que saibam pesquisar e pesquisem o país e não máquinas de gravar e repetir o pensamento alheio;
• gerar e aplicar o conhecimento adquirido.


A informação mencionada pode ser acessada em
http://www.ncjrs.gov/pdffiles1/ojjdp/194609.pdf