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1.10.2007

A construção de uma identidade regional e o crime

A reunião dos governadores do Sudeste pode ser o primeiro passo para a formação de uma identidade regional. Além dos seus objetivos óbvios, imediatos, na luta contra o crime e a violência, pode ser um passo estratégico na política brasileira a fim de defender os interesses da região. Na trama da política regional, o Sudeste e o Centro-Oeste lutam contra uma ausência de identidade regional. Não há sudestinos, nem centro-oestinos...
Mas há nordestinos, nortistas e sulistas e essas identidades contam - e muito - seja na retórica política que, dentro e fora do Congresso, é importante para lutar por recursos públicos, inclusive por recursos destinados a combater o crime, seja na atividade política que assegura esses fundos.
Políticos e a sociedade construíram uma fortíssima identidade nordestina, uma forte identidade nortista e uma identidade sulista. A construção dessas regiões como blocos que constituem o edifício político e a luta por recursos foi importante. A relevância dessa identidade transparece nos discursos no Senado Federal: através de pesquisa no SICON (Sistema de Informações do Congresso Nacional) localizei 3.780 discursos nos quais se mencionava a Região Nordeste, outros 1.469 nos quais se mencionava a Região Norte, seguida por 964 discursos nos quais a Região Sul era mencionada, seguida pela Centro-Oeste, com 637. Na retaguarda, absolutamente distanciada dos demais, a Região Sudeste, com 270 menções. Para cada menção ao Sudeste, há 14 ao Nordeste.


Porém, essas identidades regionais e coletivas não são, apenas, figuras de retórica. Elas são instrumentos de mobilização política dentro e fora do Congresso, na luta por recursos públicos. Inicialmente, era uma estratégia necessária: um representante de Alagoas ou de Sergipe teria mais chance de obter recursos para seu estado se alinhavasse seu discurso e seu pedido em nome do Nordeste. Porém, era mais do que simples retórica estratégica: era estratégia política. Durante mais de um século, foi sendo alinhavada uma estratégia de barganha regional. Durante parte desse período, o Rio de Janeiro, antiga capital, São Paulo, nova e crescente potência econômica e Minas Gerais, estado integrante obrigatório de qualquer política nacional, seguiam caminhos individualizados. As rivalidades entre cariocas, mineiros e paulistas eram divertidas no campo de futebol e na política. O Estado do Rio de Janeiro vivia parcialmente na sombra do Distrito Federal, depois Estado da Guanabara, e o Espírito Santo tinha pouca expressão demográfica e política.
Porém, a despeito do crescimento demográfico (em boa parte absorvendo o excedente de outras regiões) e econômico, a participação do Sudeste no Legislativo, particularmente no Senado Federal decresceu. Porém, não houve um crescimento da identidade regional que continuava vivendo o isolacionismo e a pseudo-auto-suficiência. Os estados do Sudeste viviam a ilusão do passado. Cada estado do Sudeste defendia seus interesses e nenhum defendia os interesses da região.


Essa fraqueza teve e tem um preço. A legislação federal relega a região Sudeste à irrelevância enquanto região. Apenas 1% da legislação menciona a região, em contraste com 60% de referências à região nordeste. Ao ficar fora da retórica política e do imaginário nacional, o Sudeste como região ficou fora da legislação. Não há como legislar sobre uma região que não existe, nem como beneficiá-la.
Ironicamente, é o crime organizado que, mantendo algum contato em estados diferentes, pensando em filiais, que talvez provoque uma consciência regional. Sem super-estimar o grau de organização do crime, a debilidade das instituições políticas e policiais, particularmente no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, deixou clara a incompetência desses estados em proteger suas populações.
Por que essa união é necessária? Porque os recursos são escassos. Porque o setor público brasileiro está falido, financeira e moralmente. Estão em disputa as migalhas, o que sobra. Nessa disputa, os estados, individualmente, tem pouca força. O estado brasileiro tem impostos suécos e benefícios africanos.

O discurso da exploração das regiões pobres pelas ricas tem algumas facetas que me incomodam:

  • a falta de dados que demonstrem essa exploração;
  • eximir a elite política do Nordeste e do Norte de qualquer responsabilidade, histórica e atual, pelos problemas da região e seus estados;
  • exemplificando: a miséria do Maranhão se deve à exploração por São Paulo ou a décadas de corrupção e inépcias da sua elite? Se a ambos, em que proporção?
  • as pessoas têm ou não responsabilidade pelas decisões que tomam ou deixam de tomar?
  • recursos desviados no Sudeste e do Sul vão beneficiar os necessitados das regiões mais pobres, a burocracia dessas regiões, a burocracia federal, ou a elite e a classe média dessas regiões - e em que proporções?
  • os pobres das regiões ricas merecem algum apoio?

Há uma hipocrisia que deve ser desmascarada. Alguns dos que brandem a bandeira da exploração do Nordeste e do Norte pelo Sul e pelo Sudeste são riquíssimos e insensíveis à miséria do próprio povo. É insultante ouvir esse discurso por parte de políticos latifundiários, que possuem casas de praia nababescas, absolutamente insensíveis à miséria que os cerca.
Os "sudestinos" devem se unir para obter recursos para combater o crime e a violência e os brasileiros devem se unir para garantir que os recursos federais, estaduais e municipais cheguem às mãos dos mais necessitados.

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