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10.27.2006

As armas usadas nos homicídios: diferenças entre os gêneros - A

As armas usadas nos homicídios: diferenças entre os gêneros

A relação entre o tipo de armas usadas para matar e o gênero de quem morre é clara:

• Tanto homens quanto mulheres morrem mais por armas de fogo do que por qualquer outro meio;
• O predomínio das armas de fogo como instrumento do homicídio entre os homens está aumentando;
• Usemos o Estado do Pará como exemplo: até 1988, mais mulheres eram mortas por instrumentos cortantes, perfurantes e contundentes do que por armas de fogo; a partir daquela data, as armas de fogo passaram a predominar;
• O predomínio das armas de fogo entre as mulheres também está aumentando;
• Não obstante, em relação aos homens as mulheres morrem menos por armas de fogo e mais por armas cortantes, perfurantes e contundentes.



Ano

Valor de X2

GL[i]

Prob.

Phi

1983

2,224

4

0,7

0,07

1984

23,445

4

0,000

0,21

1985

28,434

6

0,000

0,24

1986

9,485

4

0,05

0,13

1987

12,085

4

0,017

0,15

1988

40,142

5

0,000

0,26

1989

0,765

4

0,765

0,03

1990

11,866

4

0,018

0,13

1991

13,443

4

0,009

0,13

1992

27,733

3

0,000

0,19



[i] O número das categorias de armas variou em alguns anos devido à não inclusão das categorias com frequência zero.

Os dados de um único ano, referentes a um único lugar, dependendo do número de homicídios, podem dar resultados que levam a generalizações erradas. Em estados com milhares de homicídios ao ano, isso é difícil de acontecer ao acaso, sendo mais fácil em estados com dezenas de homicídios. Porém, o estudo de um ou poucos casos e anos levanta o problema das limitações contextuais que surgirão à medida em que introduzirmos mais casos e mais anos. Nesse poster vou variar os anos.
Na década de oitenta, o número de homicídios de homens no Pará era da ordem de algumas centenas e o das mulheres de algumas dezenas. O total variou de 467, em 1983, a 813, em 1991, mostrando tendência ao aumento.
A análise de todos esses anos revela muitas consistências e é essa a base de dados em que se pode depositar mais confiança. Para cada ano estudado é possível ter uma estimativa da significação estatística dos resultados, de se as diferenças entre as armas usadas para matar homens e mulheres poderiam ser explicadas pelo acaso. É possível, também, avaliar qual o grau de associação entre essas duas variáveis – armas usadas e gênero da vítima.

Dos dez anos analisados, oito nos dão resultados estatisticamente significativos que são compatíveis com os resultados de outros estados. Há algumas outras diferenças de gênero que atingem um número menor de vítimas, mas que devem ser levadas em consideração:

  • As mulheres, relativamente aos homens, tem mais alta taxa de vitimização de homicídios por estrangulamento e afogamento;
  • O grande predomínio das armas de fogo nas mortes de homens faz com que proporcionalmente haja menos homens mortos nas demais categorias, exceto na de lutas e brigas;
  • Em conseqüência, o universo das maneiras através das que as mulheres são assassinadas é mais diverso e variado do que o dos homens.
Alguns estudos, sabendo que as taxas de homicídio são mais altas entre os homens do que entre as mulheres, usam a razão entre homens e mulheres na população para explicar a taxa de homicídios, hipotetizando que nos países onde há, proporcionalmente, mais homens, haveria mais homicídios. David Lester analisou dados relativos a 70 países em 1980, chegando à de que essa razão se correlacionava com as taxas de suicídio, mas não com as de homicídio .
No Brasil, entre os dados facilmente acessíveis, o que tem mais alta correlação com o homicídio é o gênero. As diferenças de gênero são muito fortes tanto no que concerne a vitimização quanto no que concerne os autores. No Brasil, a razão entre vítimas homens e vítimas mulheres tem oscilado entre 9 e 11, durante um amplo período de 19 anos, com uma razão média de 10, usando um número inteiro. Na região metropolitana de Belo Horizonte, Sapori e Batitucci demonstraram que as mulheres representavam 12% do total de vítimas entre 1980 e 1995, uma razão de 7,1 homicídios de homens por cada homicídio de mulher. Essas diferenças são iguais às encontradas na análise de Belo Horizonte, sem os municípios vizinhos, da sua região metropolitana.
Há uma crescente bibliografia sobre essas diferenças. Kruttschnitt analisa dados sobre as diferenças de gênero no que concerne a vitimização, os que ofendem e o processo penal. Afirma que, embora muita informação quantitativa tenha sido usada para estabelecer novas relações estatísticas, o progresso teórico foi mais lento. As teorias chamadas de "liberação " e "oportunidade" foram usadas para explicar o crescimento das taxas de ofensas criminais entre as mulheres entre 1950 e 1970 . As diferenças entre gêneros nas taxas tanto de vitimização quanto de criminosos geraram a necessidade de explicá-las. Essas diferenças existem em todas as sociedades observadas, o que parecia sugerir uma teoria fácil. Os que favorecem explicações biológicas se sentiram fortalecidos. Não obstante, não bastava explicar o fato de que a existência de diferenças fosse uma constante: era necessário, também, explicar a variância, de país para país, entre elas. Embora diferentes fatores e teorias tenham sido usados para explicá-las, nenhuma foi sequer formulada em termos suficientemente precisos para poder equacionar a mencionada variância. O nível de imprecisão faz com que as explicações se acumulem e se sobreponham, sendo que os poucos autores que fazem pesquisas e relacionam dados com suas hipóteses, muitos se satisfazem com demonstrar que o “seu” fator contribui para a explicação da variância. Kruttschnitt afirma que as diferenças entre gêneros não se aplicam apenas a taxas globais de ofensas e de vitimização; elas se aplicam também à idade quando a primeira ofensa é cometida; a involução criminal, que se refere a praticar crimes cada vez mais sérios e graves e às taxas, idade e circunstância da desistência da atividade criminal.

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