Um espaço para discussão - em Portugues e outros idiomas - das teorias contemporâneas do crime, pensado, também, como um curso gratuito para interessados que sigam as leituras. Para ver um gráfico em maior detalhe clique duas vezes nele

3.20.2007

O Efeito Werther e o Suicídio: a importância da resposta do público

Na década de 1770, segundo Paul Marsden do Graduate Research Centre in the Social Sciences, University of Sussex, a Europa foi invadida pela moda de usar calças amarelas, casacos azuis e camisas abertas. O que teria havido? Houve a publicação do livro de Johann Wolfgang von Goethe, As Desventuras do Jovem Werther, em 1774. Werther era um jovem apaixonado por Charlotte, mulher com um casamento feliz. No livro, Werther se mata. O livro acabou sendo proibido em vários países. A razão? Junto com a epidemia das roupas, sobreveio uma epidemia de suicídio de jovens enfadados. A esta influência, convencionamos chamar de Efeito Werther. Outro nome seria o efeito-imitação.
Estudos mais recentes relacionam a atenção dada pela mídia ao suicídio e seu efeito sobre os suicídios. Alguns estudos demonstraram esse efeito - em alguns casos, mas não em todos, as taxas aumentaram. Claro, a gigantesca maioria das pessoas não imitou o suicídio divulgado e as pessoas, idosas ou não, continuaram vivendo suas vidas. O que diferencia os "influenciáveis" dos demais? Steven Stack critica os estudos sobre suicídios imitativos por deixarem de fora o conceito de "audience responsiveness", o grau em que um público responde a um estímulo e quem compõe esse público. O conceito é de Blumer.
Duas sub-teorias competem nessa explicação:

• uma afirma que as pessoas que, por quaisquer razões, estavam predispostas são as de maior risco;
• outra afirma que as pessoas mais parecidas com o suicida divulgado são as de maior risco;
porém, nada impede que combinemos as duas.

A pesquisa de Stack sublinha que o risco de suicídio entre os idosos é mais alto: dificuldades econômicas, solidão, e doenças (físicas e mentais) tornariam os idosos um público com mais alto risco. Usou séries temporais e marcou os meses em que algum suicídio era divulgado pela mídia. Seus resultados indicam que os meses nos quais um ou mais suicídios foram amplamente divulgados o número de suicídios de idosos aumentou de dez suicidas(dez suicídios mensais a mais do que a média, que era de 369). O efeito era maior quando o suicídio era de um idoso ou idosa. Aí eram 19 suicídios adicionais.
Essa e outras razões fizeram com que a mídia em muitos países tenha um código de ética a respeito da publicação de notícias sobre suicídios. Com razão: o efeito Werther já foi comprovado inúmeras vezes. Detalhe: o suicídio de pessoas que não eram "célebres" não aumentou os suicídios dos idosos.
O artigo de Stack foi publicado em Journal of Aging Studies, Volume 4, Issue 2, Summer 1990, Pages 195-209.

3.15.2007

A legalização da maconha II

Gláucio,

Eu concordo que a equação não está completa. Você se esqueceu de
considerar um conjunto enorme de questões, como o respeito às
liberdades individuais, a discriminação racial agravada pela
repressão, os danos ecológicos provocados pela "guerra às drogas" em
países como a Colômbia. Sem contar que o uso de substâncias
psicoativas nem sempre é problemático, como você deve saber.

Portanto, há uma falha no seu argumento. Caso haja comprovação
experimental de outros cientistas (como você também já deve saber, é
assim que a Ciência funciona
), esse estudo revela, no máximo, que
existe um grupo de pessoas para as quais o uso de maconha não é
recomendado. Da mesma forma existem pessoas para as quais não se
recomenda o ácido acetisalicílico (presente na aspirina). Seria esse
um motivo para se proibir tal substância?

________________________________________

Recebi a carta acima de um leitor do blog que ilustra como as questões relacionadas com a Segurança Pública se transformaram em questões políticas com forte dose ideológica e com traços de combate pessoal. As pessoas pegam fogo e partem para agressões, nem sempre sutis como a do missivista, cuja identidade protegi através do anonimato. Precisamos, de alguma maneira, retirar essas questões do âmbito ideológico e, particularmente, do pessoal.

Como fazer para superar isso? Como transformar as teses que são defendidas “contra viento y marea” por hipóteses que tentamos testar?

Caso os leitores necessitem de informação a respeito da minha formação e da produção científica é só entrar na Plataforma Lattes.

Uso o ensejo para sublinhar problemas com o argumento:

Apresentar um elenco de razões sem prioridades é fácil; estabelecer o peso relativo de cada variável é difícil;
Os dados contrários são importantes. Quantas vidas foram salvas pelas políticas implementadas na Colômbia, tanto por prefeitos excepcionais como Guerrero, Mockus, Peñaloza, Garzón, quanto pelo governo federal de Uribe?

A literatura empírica sobre os danos causados pelo uso de drogas é gigantesca, imensa. Quem trabalha em instituição universitária, sabe ler em Inglês e não é refratário a números e estatísticas, pode e deve consultar o Portal CAPES de Periódicos, colocado à nossa disposição, onde encontrará parte grande dessa literatura. A busca pode ser efetuada usando o próprio Portal, Google Scholar e outros instrumentos de pesquisa através da internet.

3.14.2007

A legalização da maconha

Decisões que nos afetam são tomadas constantemente por pessoas sem conhecimento nem informação adequadas sobre aquele tema específico, começando pelo Presidente da República, ministros, senadores, deputados, governadores etc. Dependendo da área, ocupantes de cargos decisórios podem nem saber a quem consultar. Essa deficiência é, em parcela que creio razoável, conseqüência de um sistema universitário que permite que entremos e terminemos uma carreira sem ter noção do que passa em outras áreas. O ensino das ciências, no Brasil, tem sido particularmente deficiente e nosso cargos públicos estão preenchidos, em quase a totalidade, por pessoas que pouco ou nada sabem sobre o que a(s) ciências(s) tem a contribuir sobre aquele tema. O que é pior: muitos acham que sabem.

Discutimos, mais uma vez, a descriminalização e a legalização de drogas. Creio que os prováveis benefícios são conhecidos, dada a associação entre o tráfico de drogas e a violência.
Se forem apenas esses os termos da equação, a escolha é óbvia: descriminalização já!

Mas a equação não está completa: há um preço a pagar.

Eu subscrevo PsychiatryMatters MD e outras publicações que me informam sobre as pesquisas de fronteira em psiquiatria. No número de hoje, quarta-feira, 14 de março, há um interessante artigo sobre defeitos no cérebro e o uso de maconha entre esquizofrenicos.

O que a pesquisa sugere é a existência de defeitos no cérebro (no anterior cingulate) entre pessoas que sofrem seu primeiro episódio esquizofrênico e o uso de maconha. Os autores concluem que "os resultados são compatíveis com a hipótese de que alterações estruturais na massa cinzenta em pacientes com esquizofrenia que usam maconha podem estar associadas com a incapacidade de tomar decisões sensatas e mediam a compulsão ao uso de drogas". Foram pesquisados 51 pacientes com o seu primeiro episódio de esquizofrenia e 56 controles, que não eram doentes mentais, usando ressonância magnética. Os usuários de maconha tinham menos massa cinzenta no anterior cingulate (parte do sistema límbico; os psiquiatras acreditam que participa de integração entre a cognição e as emoções) do que os demais pacientes, que não usavam maconha, e os controles. Os pacientes que não usavam maconha e os controles tinham volumes parecidos nas diversas áreas estudadas.

Decisões arriscadas são tomadas por pessoas que usam drogas, de acordo com um grande número de pesquisas. Os que usam maconha tendem a tomar decisões com gratificações imediatas a despeito de perdas pesadas a médio e longo prazo.

Há, claro, uma possibilidade de endogenia nas pesquisas entre esquizofrênicos: o uso de maconha reduz a massa cinzenta ou a deficiência na massa cinzenta predispõe ao uso de maconha?

Evidentemente, é uma consideração importante que merece ser estudada e entrar na equação. Porém, não aparece na equação simples (às vezes simplória) dos que apresentam a descriminalização (ou até legalização) desta ou daquela droga como uma decisão política que só tem benefícios. Temos que avaliar os custos e os benefícios.

O estudo original foi publicado no

Br J Psychiatry
2007; 190: 230-236



Pesquisa Já!

Quando o caro sai barato

Publicado no Correio Braziliense de 08/03/2007


Idealmente, a educação seria igual para todos. Porém, a desigualdade cognitiva entre as crianças é muito grande antes de entrarem na escola. Nos Estados Unidos, classe social e raça são importantíssimas para estabelecer essa desigualdade. Antes que a escola exerça qualquer influência, o escore cognitivo médio das crianças de classe média já é 60% mais alto do que o das crianças mais pobres. O entendimento de matemática, requisito de muitas ocupações, é mais baixo entre negros (21%) e entre hispânicos (19%) do que entre brancos.

Como? Em parte, através da família. Apenas 15% das crianças brancas vivem com, apenas, um dos pais; essa percentagem quase dobra entre os hispânicos e atinge 54% das crianças negras. A classe também influi: 10% do quintil mais rico vivem em famílias incompletas, em contraste com 48% do mais pobre.

A distância cognitiva que separa crianças brancas de classe alta e média das crianças negras pobres é grande. Um bloco pesado das crianças atrasadas é composto por filhos e filhas de mães solteiras, negras e pobres. O sexo itinerante e a irresponsabilidade paterna condenam muitas crianças ao atraso cognitivo e a privações de todo tipo. É um problema mundial. Segundo a Eurostat, a privação econômica das famílias incompletas é quatro vezes maior do que a das completas.

As diferenças passam pelas expectativas educacionais, os hábitos de leitura e o uso da televisão. Mercy e Steelman demonstraram que as correlações entre o vocabulário da criança e a educação dos pais são mais altas do que com a renda familiar. Mais de 8% dependem diretamente da educação da mãe e outros 8% da do pai. Quando entram no primário já existem amplas desigualdades, sobre-determinando a probabilidade de serem criminosos.

Investimentos estratégicos na educação rendem frutos para a Segurança Pública. Explico: nos Estados Unidos, 70% dos jovens terminam o segundo ciclo. Os trinta por cento não chegam lá contribuem desproporcionalmente para a criminalidade. Harlow, em 2003, demonstrou que 75% dos detentos em prisões estaduais não terminaram o segundo ciclo.

Muitos ideólogos acusam injustamente a escola e buscam a solução no estado. Porém, há diferenças enormes criadas antes da idade escolar e muitos estudantes chegam ao segundo ciclo em flagrante desvantagem. A interação entre o sistema educacional e os estudantes atrasados, suas famílias e seus comportamentos é muito difícil. Um terço dos criminosos abandonou a escola devido aos problemas acadêmicos, aos problemas comportamentais e à perda de interesse. Como manter a qualidade da escola e atender os que chegam com sérias deficiências? Não é tarefa fácil, mas vale a pena. Na Grã Bretanha, quase dois terços dos que abandonavam a escola cedo acabavam se metendo no crime. A criminalidade juvenil afeta todos os países. Na França, triplicou o número de jovens entre 13 e 18 presos por crimes na década de 90, majoritariamente minorias de baixa educação.

Quais as relações entre educação e crime no Brasil? Infelizmente, há poucos dados. A educação é uma área em crise e a sociologia também. Há muito discurso, muita ideologia e pouca pesquisa e o grosso das pesquisas sérias está sendo feito na Saúde Pública e na Economia.

No Brasil, uma das poucas pesquisas entre presos foi feita na Papuda, em 1997. Revela que três em cada quatro presos não terminaram o primeiro grau e apenas 7% tinham algum segundo grau ou mais. Os jovens com baixa escolaridade também têm as mais altas taxas de vitimização por homicídios, que cai dramaticamente entre os que terminam o primeiro grau.

Nos Estados Unidos é crucial terminar o segundo ciclo, mas no Brasil basta terminar o primeiro ciclo. Os pontos de inflexão da relação entre educação e crime não são fixos e sim contexto-dependentes. O crime e a violência respondem mais ao lugar que cada nível educacional ocupa no sistema social e menos ao nível absoluto de desenvolvimento cognitivo médio de cada ciclo.

Alguns investimentos educacionais são investimentos na Segurança Pública. Moretti, em 2005, estimou que um aumento de dez por cento na taxa masculina de formatura reduziria os homicídios e as prisões em 20% e furto/roubo de veículos em 13%. Aumentar a formatura no segundo ciclo e a matrícula no nível superior em 5% economizaria oito bilhões de dólares cada ano.

Na prevenção do crime, o caro sai barato

3.03.2007

Violência juvenil: exemplos e falta de dados


Paul D. Harms e Howard N. Snyder analisaram os dados relativos a homicídios de crianças e adolescentes de menos de 18 anos nos Estados Unidos.

Houve uma grande queda na vitimização que atingiu o seu ponto mais alto em 1993, com 2,880 mortes. Medidas locais de tipo preventivo, sobretudo policial, em vários lugares e o excelente desempenho dos indicadores econômicos durante os anos Clinton reduziram esse número para 1,610 mortos em 2000. Foi o número mais baixo em 15 anos. A taxa de 2.3 por 100,000 (crianças e adolescentes) foi a mais baixa em vinte anos. Em 1993, uma de cada oito pessoas assassinadas nos Estados Unidos tinha menos de 18 anos.

A delinqüência e da violência juvenis na faixa de 12 a 17 explodiu entre 1980 e 1993. O aumento na taxa foi de 163% entre negros e de 49% entre brancos. No período seguinte (1993 a 2000), a combinação entre boa economia e melhor polícia reduziu em 64% os homicídios entre negros e em 51% entre brancos.

O acesso a armas de fogo tem muito a ver com isso. Em 1980, 41% das mortes de pessoas com menos de 18 anos foram com armas de fogo; o acesso fácil às armas de fogo aumentou a percentagem para 61% em 1993, e o controle destas reduziu a percentagem a 47% em 2000.

As diferenças entre os gêneros também são muito fortes nos Estados Unidos. A taxa feminina de vitimização não mudou entre 1980 e 1998, para cair a um dos níveis mais baixos em 2000. Em contraste, a taxa masculina aumentou 117% entre 1984 e 1993. Isso demonstra que, nos Estados Unidos, a explosão das drogas e a conseqüente desorganização social afetou muito mais os jovens adolescentes do que as jovens adolescentes. O efeito não foi o mesmo entre homens e mulheres.

Como é no Brasil? Não sabemos! Não há informação e estatísticas confiáveis sobre os autores de crimes. Temos que depender do que possamos aprender com as pesquisas feitas em outros países (o que acarreta o perigo de generalizar indevidamente para condições diferentes) até que aprendamos a
• elevar a taxa de resolução de crimes;
• disponibilizar a informação para todos;
• treinar cientistas sociais que saibam pesquisar e pesquisem o país e não máquinas de gravar e repetir o pensamento alheio;
• gerar e aplicar o conhecimento adquirido.


A informação mencionada pode ser acessada em
http://www.ncjrs.gov/pdffiles1/ojjdp/194609.pdf

2.22.2007

Armas de fogo e homicídios em Cali e Bogotá: um experimento natural

A Colômbia tem muito a oferecer ao Brasil no que concerne a Segurança Pública. Primeiro porque tem uma história de conflito de guerrilhas e paramilitares, mostrando o horror de uma guerra civil que se arrastou por dezenas de anos e deixou centenas de milhares de mortos.

Muitos sabem que, desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, a Colombia conheceu poucos momentos de paz social e civil. Porém, um número menor sabe que o século XIX foi de extrema instabilidade, com guerras civís, anexações, desmembramentos etc, parte disso durante o curto período entre a vitória sobre os espanhóis e a a volta dos mesmos, a Reconquista. Enquanto os espanhóis resolviam seus conflitos europeus e se preparavam para reconquistar o espaço latino-americano, os latino-americanos lutavam entre si. Esse período foi chamado de "La Patria Boba" e se referia ao espaço da Gran Colombia, mas poderíamos ampliá-lo para toda a América Latina.



Ninguém sabe ao certo quanto décadas de violência deixam atrás, para as gerações futuras. Acredito que muito. No mundo contemporâneo, o tiro e a bala desalojaram o murro, o ponta-pé, o canivete e a faca como instrumentos de "resolução" de conflitos. Há áreas (como algumas favelas cariocas) em que mais de noventa por cento dos homicídios são com armas de fogo. Em áreas mais amplas, como cidades, a percentagem pode superar sessenta por cento.


Por isso é importante estudar o impacto das armas de fogo sobre os homicídios. Não é questão fácil porque já se tornou ideológica, além de ser área na qual há muitos interesses econômicos, empresas, industriais e comerciais, que dependem da fabricação e venda de armas e munições.
Com que se mata? Os dados disponíveis sobre Bogotá dizem que 79% dos assassinos usam revólveres e 19% usam pistolas. Todos os demais tipos de armas de fogo, juntos, respondem por apenas 2% do total. Controlá-los teria um impacto muito menor do que controlar revólveres e pistolas.





Há muita variação por calibre. Os revólveres calibre 38, o três oitão, dominam.
Não é muito diferente no Brasil.
Mas, afinal, o desarmamento aumenta ou diminui os homicídios?
Cali e Bogotá apresentam uma oportunidade excepcional para um quase-experimento natural: o porte de armas foi suspenso e permitido em períodos alternativos. Comparando os períodos com armas e os períodos sem armas temos uma excelente idéia. Os resultados mostram uma redução significativa durante o período
sem armas: 13% em http://www2.blogger.com/post-create.g?blogID=24321474#
Post Options Cali e 14% em Bogotá.


Alguns teorizam que a taxa de homicídios indica a carga agressiva de uma sociedade. Porém, essa equação é incompleta: dependendo da eficiência das armas mais usadas, a taxa pode ser maior ou menor sem que houvesse modificação no potencial. Sociedades com taxas mais baixas de homicídio podem ter carga agressiva mais alta, mas usar armas menos eficientes, como objetos cortantes e perfurantes.


A Colômbia, além de experiências bem sucedidas de redução da violência no país como um todo, e em muitas cidades como Bogotá e Medellín, tem muitos bons criminólogos, que sabem pesquisar, pesquisam de fato, metem a mão na massa. Um deles, Bejarano Ávila, foi assassinado por isso.
Aconselho os leitores a consultar alguns deles. Por exemplo:

Villaveces, A; Cummings, P; Espitia, V; Koepsell, T; McKnight, B; Kellermann, A . "Effect of ban on Carrying Firearms in 2 Colombian cities". The Journal of the American Medical Association. Vol. 283 No. 9.
Formisano, M. (2002) "Econometría espacial: características de la violencia homicida en Bogotá". Universidad de Los Andes, Documento CEDE N° 2002-10.
Beltrán, I; Fernández, A; Llorente, M;Salcedo, E. (2003). "Homicidio e intención
letal: un estudio exploratorio de heridas mortales a partir de los protocolos de necropsia en Bogotá". Borradores de Método N° 4 e
Beltrán, I; Forero, L. (2004). "Una descripción de las armas de fuego homicidas en
Bogotá para el año 2002 y una propuesta para aumentar el costo de servicio del homicidio". Borradores de Método N° 27
Sánchez, F; Espinosa, S; Rivas, A. (2003)."¿Garrote o Zanahoria? Factores asociados a la disminución de la violencia homicida y el crimen en Bogotá, 1993-2002". Universidad de Los Andes, Documento CEDE N° 2003-27.
CERAC desenvolve várias pesquisas de interesse. Ver aqui.

2.20.2007

A formatura, a redução da criminalidade e a Teoria Política

Uma pesquisa de Lance Lochner e Enrico Moretti, The Effect of Education on Crime: Evidence from Prison Inmates, Arrests, and Self-Reports (NBER Working Paper No. 8605, November 2001) mostra a importância de terminar o curso secundário (12a série) na guerra contra o crime. Os estados americanos que mudaram suas leis para obrigar pais e menores a observarem a freqüência às aulas (state compulsory attendance laws) mostram uma redução significativa nas taxas de prisões tanto entre brancos quanto entre negros. Usaram regressões para estimar o impacto de cada formatura (primário, junior high school, high school). Terminar a high school reduz a taxa de prisões em 0,76% entre jovens brancos e em 3,4% entre jovens negros. Como esperado, o impacto é maior em uns crimes do que em outros. Os crimes com maior impacto são o homicídio, a agressão violenta e furto/roubo de veículos. Usando dados de pesquisas entre jovens para separar o efeito da redução nos atos criminosos e o efeito da formatura sobre a probabilidade de ser preso concluíram que há um efeito independente da redução nos atos criminosos e que uma parte importante dos retornos aos gastos com educação se deve a externalidades provocadas pela redução nos atos criminosos.

Sem pesquisas, não há como saber como funcionam os números no Brasil. Por um lado, são poucos os cientistas sociais que sabem pesquisar e efetivamente pesquisam; pelo outro, há escassez de recursos para pesquisas criminológicas no Brasil. Não é prioridade. Reitero que o que Lula deu de mão beijada como aumento de preço do gás a Evo Morales somente esse ano é uma quantidade muito superior a todos os gastos com pesquisas criminológicas já feitas no Brasil.

Há parâmetros indiretos que poucos levam em consideração na análise do crime: políticas públicas que funcionam de maneira a maximizar cada real extraído do contribuínte brasileiro dependem da realização de pesquisas por cientistas sociais competentes que saibam pesquisar e não gastem mais do que o necessário, o que também requer recursos públicos para as pesquisas.

O efeito das políticas públicas, de bons governos (que salvam vidas) e de governos corruptos e/ou incompetentes sobre as taxas de criminalidade e de mortes violentas não é apenas direto, através da ação policial. Há uma intrincada rede de responsabilidades que passa pela implementação de políticas públicas baseadas em conhecimento e não em chute

2.19.2007

Mudanças nas taxas de prisões e conseqüências sobre os crimes violentos

Nos Estados Unidos, também há uma polêmica a respeito dos crimes cometidos por menores de idade e das medidas apropriadas a serem tomadas. Embora o declínio acelerado na criminalidade durante a Era Clinton e a continuidade parcial desse declínio durante os primeiros anos de Bush tenham reduzido o "sentido de urgência", a polêmica persiste.

Entre 1978 e 1993 houve um aumento de 79% nas prisões de menores por crimes violentos (com freqüência contra outros menores), quase três vezes o aumento dos adultos. Pior: no que concerne homicídios, as prisões de menores aumentaram 177%, ao passo que os homicídios por adultos já começavam a cair - 7%.

Não obstante, os crimes contra a propriedade não aumentaram, nem entre menores, nem entre adultos: as taxas foram estáveis.

O que passou? Como explicar isso?

Para explicar o aumento dos crimes por menores teríamos que preconizar que os menores mudaram drasticamente em pouco tempo. O pensamento criminológico brasileiro não é afeito a mudanças nas pessoas. Aposta mais nas estruturas ou, na falta de mudança nelas, nas sub-culturas. A responsabilidade última está fora do indivíduo. Stephen Levitt combina mudanças fora com respostas de dentro: o aumento dos crimes violentos por menores e a diminuição dos mesmos crimes por adultos tem que ver com a teoria e a prática judicial e policial. Porém, passa pela racionalidade dos menores e dos adultos. Entre 1978 e 1993, a relação entre prisões de adultos em penitenciárias estaduais e federais e o número de crimes cometidos no mesmo período aumentou. Era 0,34 (ou seja, uma prisão para cada três crimes violentos) para 0,55. Porém, no caso de menores a tendência foi no sentido oposto: de 0,36 (uma prisão para cada três crimes violentos) para 0,29.
Há problemas com esses dados. Por um lado, muitas prisões de menores são para crimes de pouca importância, contra a propriedade. Além disso, a probabilidade de prisão e confinamento não mede toda a diferença na punição: o encarceramento juvenil, nos Estados Unidos, é uma coisa; o adulto é outra - muito pior. Assim, o mesmo tempo de confinamento em prisões de juvenís e em prisões de adultos não se traduz na mesma pena, incluída na definição o preço físico e psicológico pago pelo crime.
Todos esses dados supõem uma escolha racional. Diante da probabilidade de prisão e do tipo de pena (duração, dureza, condições na prisão), os criminosos fariam uma escolha. Desde o célebre artigo de Gary Becker, ‘‘Crime and Punishment: An Economic Approach.’’ J.P.E. 76 (March/April 1968): 169–217 que muitos economistas definem o crime como uma escolha racional dentro de parâmetros baseados na informação disponível para cada pessoa.

E a direita?


A direita agressiva se fez representar nesse debate no trabalho de William J. Bennett, William J.; John J. DiIulio Jr.; e John P.Walters, com o sugestivo título de Body Count: Moral Poverty—and How to Win America’s War against Crime and Drugs. New York: Simon & Schuster, 1996. Usaram uma expressão, os super-predadores, para descrever muitos dos jovens criminosos. Ironicamente, a descrição é tão radical que os descreve como um psiquiatra descreveria um psicopata, abrindo o caminho para uma doutrina de defesa baseada na impossibilidade de diferenciar o bem do mal. "...para esses...jovens, as palavras "certo" e "errado" não tem significado moral."

Irônicamente, esses autores descreveram o super-predador como doli incapax. Incapaz de dolo por ser incapaz de distinguir entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. Para ser coerente, outras coisas sendo iguais, os super-predadores deveriam ser mantidos em prisões psiquiátricas e não em prisões comuns. Como há quase consenso de que psicopatas são incuráveis e que, se soltos, voltarão a cometer crimes violentos, ficariam nessas prisões/hospitais por toda a vida.

A legislação de que necessitamos requer pesquisa nas condições brasileiras. Não só os criminosos fazem escolhas - nós também. E precisamos de informação para escolher bem, cada um de acordo com seus valores, com base em dados e fatos e não em mitos e achismos.

2.18.2007

Usando o aumento de penas para diferenciar entre incapacitação e dissuasão

    Um artigo de Kessler e Levitt estabelece uma diferença entre dissuasão e incapacitação. A incapacitação se refere aos crimes que os indivíduos não podem fazer porque estão presos. A dissuasão se refere à redução de crimes por outras pessoas não diretamente atingidas pela incapacitação. Quando uma lei que "endurece" é aprovada e há uma redução no crime, como saber se foi um efeito ou o outro?

    Há endurecimentos que se referem ao aumento das penas já existentes e não à criação de novas penas. Se decidirmos, hoje, que usar arma de foto em assalto aumentará a pena em dez anos poderemos ver o efeito sobre a dissuasão.

    Foi o que aconteceu na Califórnia através da aprovação, em referendo, da Proposition 8, que agravou as sentenças de um conjunto de crimes. A estimativa de Kessler e Levitt nos diz que houve uma redução de 4% daqueles crimes no ano seguinte à aprovação, que aumentou para 8% três anos depois da aprovação. O impacto dessa lei continuou a aumentar entre 5 e 7 anos depois da aprovação, o que é consistente com a hipótese de que o efeito conhecimento/dissuasão leva tempo até atingir a quase totalidade da população com risco alto e médio.




Using Sentence Enhancements to Distinguish between Deterrence and Incapacitation:

2.02.2007

A campanha contra o tráfico e a resposta dos traficantes

A luta contra o tráfico tem muitos efeitos. Num modelo que soma zero, quem não consegue o dinheiro que quer através de uma atividade criminosa que foi bloqueada, vai para outra atividade criminosa. Passaria a assaltar. Os dados a que temos acesso, até agora, não apoiam esse modelo de maneira tão mecânica.

Primeiro, muitos criminosos não são criminosos com dedicação exclusiva. Assaltam num momento, fazem uma entrega legítima noutro, ajudam numa construção numa terceira e assim por diante. O bloqueio de uma atividade ilícita, o tráfico, não os redireciona obrigatoriamente para outra atividade ilícita. Depende das oportunidades presentes.

Segundo, há níveis de impedimento ético diferente. Muitas pessoas furtam oportunisticamente (como afanar uma carteira deixada num banheiro público, sem procurar devolvê-la); outros vão um passo além e intencionalmente furtam algo (metem a mão numa bolsa e tiram dinheiro); terceiros roubam (com uso de força e/ou violência), como puxar a bolsa da mão ou ombro da pessoa; a próxima escala é o assalto; seguido do assalto a mão armada. O homicídio e o latrocínio estão no alto dessa escalada. O uso da força e da violência também acarreta a possibilidade de força e violência contra o criminoso.

Terceiro, e mais importante, o redirecionamento da atividade depende de oportunidades de outras atividades rentáveis e do poder da dissuasão do sistema policial e judiciário. Como andamos mal, muito mal, nessas duas áreas (e aqui, no Rio de Janeiro, andamos muito mal mesmo), uma percentagem maior de pessoas buscará e não encontrará atividades não-criminosas sem que sejam dissuadidas de escalar um ou dois degraus no crime.

Quarto, a idade ajuda. A relação curvilinear, clara e universal, entre idade e crime (o criminoso é jovem, adolescente ou jovem adulto) significa que muitos que estiveram no crime desistem com a idade. Mais uma vez, oportunidades de trabalho, por um lado, e tanto a dureza da pena quanto a certeza da punição influenciam a forma dessa curva.

1.25.2007

Crime e alcoolismo durante a gravidez

O comportamento criminoso tem raízes profundas. Não há, claro, o comportamento criminoso. Há vários, alguns com uma teia de determinações parecidas, outros não. Vejamos uma causa distante.
Em outros posters conversamos sobre o alcoolismo de algumas pessoas como um suicídio lento. Mas o alcoolismo também traz sérias conseqüências para os fetos, razão adicional e muito forte para parar.
Há três décadas que foi criada a expressão "fetal alcohol syndrome" (FAS), que se refere um padrão definido de problemas que afligem crianças cujas mães beberam álcool durante a gravidez. São muitos os problemas de ordem neurológica e comportamental que afetam as crianças e que as perseguem durante toda a vida, provocando um péssimo desempenho na escola.
Em alguns lugares a incidência e a prevalência desses problemas são muito grandes. Uma pesquisa com 992 crianças da primeira série numa comunidade da África do Sul demonstrou a existência de FAS em mais de 4% das que tinham entre 5 e 9 anos. As estimativas dependem da metodologia empregada. Em um condado no Estado de Washington, o cálculo “ativo” foi de 3,1 por mil, ao passo que os cálculos passivos variaram de 0,33 a 3 por mil. O cálculo passivo é inviável no Brasil: ele se baseia nos dados médicos existentes, usualmente coletados no parto. Mesmo onde eles são bons, muitos problemas só surgem mais tarde, não sendo visíveis ao nascer. O método ativo faz um survey da população-alvo e baseia os cálculos neles.
Há várias categorias de problemas: há deficiências cognitivas e comportamentais específicas, típicas de crianças com mães que beberam durante a gravidez.
A primeira trata de problemas na aprendizagem verbal. As crianças com FAS aprendem um número menor de palavras, mas não as esquecem com freqüência maior. Isso significa que a deficiência aparece na etapa de codificação da memória e diferencia crianças com FAS das crianças com a Síndrome de Down que tem tanto a aprendizagem quanto a memória prejudicadas.
Mas não é só. A aprendizagem espacial e visual também é afetada. Conseguem lembrar um número menor de objetos retirados da mesa em frente. A atenção é afetada. Coles e associados contribuíram para evitar uma confusão com crianças hiper-ativas com desordem de atenção. Essas crianças apresentam dificuldades em focalizar e manter a atenção, bem diferente das crianças com mães que beberam na gestação, que tem dificuldade em mudar o foco da atenção. Podem, sim, colocar atenção em A, mas apresentam dificuldade em mudar para B.
Uma das heranças malditas que mães que bebem deixam em seus filhos é a lentidão. O tempo para reagir e resolver problemas é maior. Crianças com FAS processam informação mais vagarosamente e de maneira menos eficiente. Jacobson e associados descobriram esses problemas em crianças muito pequenas, de seis meses, medidos através dos movimentos dos olhos quando novos estímulos eram apresentados.
As funções que requerem pensamento abstrato, planejamento e organização são muito prejudicadas. Por exemplo: as crianças tem dificuldade em passar de dar nomes a animais para objetos de mobiliário e, outra vez, para animais. Essas crianças desenvolvem uma incapacidade de mudar de estratégias para resolver problemas: voltam a tentar da mesma maneira que fracassou antes.

Neurofisiólogos estudam, também, a estrutura do cérebro. Parte da herança maldita é a redução no tamanho do cérebro, particularmente de algumas áreas. Uma delas é chamada de basal ganglia que, quando danificada, dificulta a memória espacial e a mudança entre conjuntos tanto em animais quanto em pessoas.



Outra área reduzida é o cerebelo que parece operar parte do equilíbrio, da coordenação e da cognição. O cerebelo fica na base do cérebro e também é afetado pelo alcoolismo materno.



Os danos não param aí. O alcoolismo durante a gravidez provoca uma série de disfunções no cérebro do feto, com sérias conseqüências para a vida e a funcionalidade da criança.



O corpus callosum parece ligar a metade esquerda com a direita do cérebro: nada menos de 7% das crianças com mães que beberam durante a gravidez nascem sem ele. É uma percentagem vinte vezes maior do que a encontrada na população como um todo. Para ver imagens do corpus callosum clique aqui e aqui.

Há muitas razões para parar de beber. Os filhos são as principais: cada um é uma razão forte.

O que tem isso que ver com o crime?
É só ver as estatísticas a respeito do número de criminosos cuja mãe era alcoólatra, comparando com a população em geral.

1.17.2007

Governos estaduais e segurança pública: os ganhos em São Paulo

Recebi de Túlio Kahn, uma das inteligências por trás das estatísticas, os resultados para o Estado de São Paulo que cobrem de janeiro a novembro, inclusive, e comparam 2005 com 2006. Eles mostram uma redução do crime em toda a linha. Os crimes com dados mais confiáveis baixaram substancialmente. Houve uma redução de mais de mil homicídios só nesses onze meses, aos que devemos acrescentar uma redução de mais de duzentos homicídios culposos. Roubo e furto de veículos baixaram aproximadamente dez mil.

Uma baixa de mais de 15% nos homicídios em um só ano é um resultado muito bom, particularmente porque veio após vários anos de declínio, quando, com freqüência, políticas públicas de segurança começam a mostrar retornos decrescentes.

Para ver melhor os dados da tabela abaixo, clique sobre ela.


As políticas implementadas em São Paulo foram qualificadas como conservadoras; de fato, combinam medidas que fazem parte do arsenal conservador (construção de prisões, aumento da população encarcerada), com outras progressistas (controle de armas de fogo, orientação para a comunidade, descentralização das ações preventivas e repressivas), e muitas que são, apenas, a aplicação de técnicas policiais que funcionam (treinamento, geo-referenciamento, melhoria do equipamento, fortalecimento da polícia técnica, retreinamento da P2 e outras medidas).
Ainda falta. A PMSP poderia se beneficiar muito de treinar muitos dos seus oficiais mais promissores nos melhores programas no Brasil e nos centros mundiais de referência. Faltam facilidades nessa direção.

O progresso obtido em São Paulo contrasta com a estagnação observada no Rio de Janeiro e com o deterioro no Paraná. O que considero crescimento acelerado da violência criminosa durante as duas administrações Brizola no Rio de Janeiro, ou a de Itamar em Minas Gerais, contrastam com o declínio da violência nos últimos oito anos em São Paulo e os últimos quatro em Minas Gerais. Segurança Pública é prioridade para alguns governos, mas não para outros.

Sempre será possível achar que poderia ser melhor, mas negar os ganhos é pior do que sectarismo, é cretinice.

1.16.2007

A relação entre governos estaduais e crimes violentos

Tem jeito, sim! Acabo de receber do Dr. Luiz Flávio Sapori, os dados saídos do forno referentes à criminalidade violenta em Belo Horizonte. Não há dúvida a respeito do descenso observado desde que Minas Gerais voltou a ter governo.

A redução dos crimes, violentos ou não, não começa no plano policial nem judicial, começa no plano político. Pouco vêem (ou querem ver) a relação entre as mudanças políticas lá em cima, no nível do governador, e as mudanças lá em baixo, no sub-mundo do crime, mas elas são claras.


Os dados mostram claro e acelerado crescimento de 1998 até 2003, já no primeiro ano da administração de Aécio Neves. As medidas tomadas, em grande parte, na Secretaria de Defesa Social, provocaram um decréscimo dos indicadores de crimes violentos. Em verdade, foi em 2006 que se observou a maior baixa.

A relação entre a competência e a qualidade das administrações estaduais e o crime é clara. Não se trata de uma tendência nacional, mas de mudanças de rumo que coincidem com a subida ao poder de novos governadores. Em um estado isso pode marcar o início de medidas com base em conhecimento provado e, em outros, exatamente o contrário: o fim dessas medidas.

1.14.2007

O controle familiar e a delinqüência dos filhos

Todas as semanas lemos algo a respeito de jovens e adolescentes mortos no trânsito. Algumas dessas notícias mostram o papel que as bebidas alcoólicas e as drogas tiveram nesses desastres que, às vezes, cobram várias vidas.

Evidentemente, a primeira pergunta de um pai ou mãe preocupado e inteligente é como evitar que isso aconteça. Os dados abaixo mostram o resultado de pesquisa recente e o que ela revela:

Em 19 de setembro de 2006 foi publicado o estudo mais recente da série SADD - New Study: Parental Consequences Significantly Deter Dangerous Driving Behaviors in Teens. É feito a intervalos regulares, com jovens. Quais os principais resultados?

· Um em cinco jovens ainda bebem e dirigem: 19% reconheceram que dirigiram sob os efeitos do álcool;

· outros 15% tendo usado maconha

· e 7% tendo usado “outras drogas”.

Qual o efeito que, segundo os adolescentes, tem o comportamento dos pais?

Mais do que os pessimistas acreditavam e menos do que os otimistas esperavam. Para isso, a pesquisa dividiu os adolescentes em dois grupos:

Aqueles cujos pais deixavam claro quais seriam as conseqüências de dirigir sob a influência de alguma droga, legal ou não, e os que não faziam isso.

· Entre os primeiros, 16% dirigiram tendo bebido; entre os últimos 29% o fizeram. É uma diferença estatisticamente significativa;

· Com relação a maconha, as diferenças foram menores 14% e 18%

· E com relação a “outras drogas”, 6% e 11%

· Adolescentes que nunca dirigiram sob a influência de álcool ou de qualquer droga: 78% no primeiro grupo e 59% no segundo

O excesso de velocidade é um reconhecido fator de perigo para acidentes. A existência de regras claras também ajuda a limitar esse perigo: entre os que vivem em famílias com regras claras, 44% dirigiram oito ou mais quilômetros acima do limite, menos do que os que vivem em famílias sem regras ou com regras “flexíveis” e arbitrárias: 56%.

Nessa área, a impunidade também conta. Dirigir e falar no celular é crime e há boas razões para que seja. Os adolescentes que dizem que se violarem as condições estabelecidas pelos pais não há escapatória, vão pagar o preço, apresentam comportamentos muito mais sensatos - 37% dirigiram e falaram nos celulares, em comparação com 65% daqueles que não acreditam nas regras familiares e acham que não serão punidos.

Os resultados são ainda melhores se, além de deixarem claro que as punições acontecerão, os pais também elogiam o “bom” comportamento dos filhos e filhas.

A participação das famílias e do poder público é indispensável: desde 1981, os Estados Unidos conseguiram reduzir as taxas de mortes em veículos relacionadas ou causadas pelas bebidas alcoólicas em 60%. São dezenas e dezenas de milhares de vidas salvas.


1.12.2007

Homicídios em Portugal

O Ministério da Justiça de Portugal informa que, entre 1995 e 1998, foram identificados 1054 suspeitos de homicídio em 1520 casos, uma taxa de identificação de 69%: 961 eram homens e 93 eram mulheres. É uma taxa de identificação muito alta, se comparada à do Rio de Janeiro, e muito baixa, se comparada às observadas na Alemanha e no Japão.

Dos três grupos de idade (claramente insuficiente, perdendo preciosas informações) o intervalo aberto acima de scalões etários 25 anos com 548 indivíduos identificados. Entre os 16 e os 24, há 174 suspeitos, e no grupo etário menor de 16 anos foram identificados apenas 11. Esses dados, cuja fonte secundária é
www.fcsh.unl.pt/cadeiras/ciberjornalismo/ciber2000/armas/Numerosfinal.htm
Go to source>> não fecham. O número de identificados é muito maior do que os identificados cuja idade é conhecida. Há uma perda de informação de, aproximadamente, um terço no que concerne a idade. No que concerne o gênero, 961 eram homens e 93 eram mulheres, uma distribuição semelhante à encontrada no Brasil. presumíveis homicidas. Os dados policiais informam que as mulheres representam 29 por cento do total de vítimas de homicídio (segundo o Ministério da Saúde) entre 93 e 98. É uma percentagem mais alta do que no Brasil.

A composição etária das vítimas de homicídio em 6 anos, mostra que 346 (40 por cento do número total de vítimas) tinham idades compreendidas entre os 30 e os 49 anos. O escalão etário dos indivíduos com mais de 50 anos foi o segundo mais atingido, com 246 mortos, seguindo dos indivíduos com idades entre os 20 e os 29 anos, com 186 óbitos registados. O estudo, da própria polícia, sugere que apenas 9% dos suspeitos identificados pelas autoridades policiais composição etária das vítimas é mais elevada do que no Brasil: 40% tinham entre 30 e 49 anos, ao passo que a faixa de 20 a 29 anos tinha menos vítimas do que a de 50 e mais. É uma distribuição atípica no cenário internacional, em flagrante contraste com a brasileira que se concentra nos intervalos mais jovens.

Essas diferenças quantitativas sugerem importantes diferenças qualitativas: o homicídio em Portugal é muito menos vinculado a outros crimes, particularmente a tráfico de drogas (os dados são anteriores à legalização) do que no Brasil.


A composição etária das vítimas é mais elevada do que no Brasil: 40% tinham entre 30 e 49 anos, ao passo que a faixa de 20 a 29 anos tinha menos vítimas do que a de 50 e mais.

A concentração geográfica caracteriza o homicídio em Portugal: 51% das vítimas são da área da capital, seguida pelo Norte e pelo Centro, com perto de 15% cada. O Alentejo tem poucas vítimas.
  1. A comparação entre Portugal e o Brasil ou o Rio de Janeiro sugere que a composição dos homicídios é diferente;
  2. o número de homicídios em Portugal é baixo relativamente ao Brasil e ao Rio de Janeiro. Portugal teve em seis anos homicídios equivalentes a dois meses do Estado do Rio de Janeiro. e as populações são diferentes, mas não dramaticamente como os homicídios: ~11 milhões em Portugal e ~16 milhões no Estado do Rio de Janeiro.
  3. a vitimização das mulheres, relativamente à dos homens, é mais alta em Portugal;
  4. a autoria de mulheres é muito baixa nos dois locais, mas os poucos dados que temos indicam que há maior participação relativa das mulheres nos homicídios em Portugal;
  5. a idade das vítimas é corrida para cima em Portugal. Ajudaria se as faixas etárias publicadas fossem mais detalhadas;
  6. os solteiros apresentam taxas de vitimização mais altas do que os casados e viúvos;
  7. não temos dados sobre Portugal distinguindo entre local de ocorrência e de falecimento, uma diferenciação importante que pode explicar parte da concentração em Lisboa;
  8. o mesmo crime, homicídio, inclui diferentes tipos. Creio que os homicídios diretamente vinculados ao tráfico de drogas e aos assaltos são muito menos freqüentes em Portugal, onde os homicídios entre conhecidos, inclusive entre íntimos, é mais freqüente, relativamente ao total.
O estudo comparado dos homicídios entre Brasil e Portugal trará contribuições substanciais ao conhecimento.





homicida tipo

1.10.2007

A construção de uma identidade regional e o crime

A reunião dos governadores do Sudeste pode ser o primeiro passo para a formação de uma identidade regional. Além dos seus objetivos óbvios, imediatos, na luta contra o crime e a violência, pode ser um passo estratégico na política brasileira a fim de defender os interesses da região. Na trama da política regional, o Sudeste e o Centro-Oeste lutam contra uma ausência de identidade regional. Não há sudestinos, nem centro-oestinos...
Mas há nordestinos, nortistas e sulistas e essas identidades contam - e muito - seja na retórica política que, dentro e fora do Congresso, é importante para lutar por recursos públicos, inclusive por recursos destinados a combater o crime, seja na atividade política que assegura esses fundos.
Políticos e a sociedade construíram uma fortíssima identidade nordestina, uma forte identidade nortista e uma identidade sulista. A construção dessas regiões como blocos que constituem o edifício político e a luta por recursos foi importante. A relevância dessa identidade transparece nos discursos no Senado Federal: através de pesquisa no SICON (Sistema de Informações do Congresso Nacional) localizei 3.780 discursos nos quais se mencionava a Região Nordeste, outros 1.469 nos quais se mencionava a Região Norte, seguida por 964 discursos nos quais a Região Sul era mencionada, seguida pela Centro-Oeste, com 637. Na retaguarda, absolutamente distanciada dos demais, a Região Sudeste, com 270 menções. Para cada menção ao Sudeste, há 14 ao Nordeste.


Porém, essas identidades regionais e coletivas não são, apenas, figuras de retórica. Elas são instrumentos de mobilização política dentro e fora do Congresso, na luta por recursos públicos. Inicialmente, era uma estratégia necessária: um representante de Alagoas ou de Sergipe teria mais chance de obter recursos para seu estado se alinhavasse seu discurso e seu pedido em nome do Nordeste. Porém, era mais do que simples retórica estratégica: era estratégia política. Durante mais de um século, foi sendo alinhavada uma estratégia de barganha regional. Durante parte desse período, o Rio de Janeiro, antiga capital, São Paulo, nova e crescente potência econômica e Minas Gerais, estado integrante obrigatório de qualquer política nacional, seguiam caminhos individualizados. As rivalidades entre cariocas, mineiros e paulistas eram divertidas no campo de futebol e na política. O Estado do Rio de Janeiro vivia parcialmente na sombra do Distrito Federal, depois Estado da Guanabara, e o Espírito Santo tinha pouca expressão demográfica e política.
Porém, a despeito do crescimento demográfico (em boa parte absorvendo o excedente de outras regiões) e econômico, a participação do Sudeste no Legislativo, particularmente no Senado Federal decresceu. Porém, não houve um crescimento da identidade regional que continuava vivendo o isolacionismo e a pseudo-auto-suficiência. Os estados do Sudeste viviam a ilusão do passado. Cada estado do Sudeste defendia seus interesses e nenhum defendia os interesses da região.


Essa fraqueza teve e tem um preço. A legislação federal relega a região Sudeste à irrelevância enquanto região. Apenas 1% da legislação menciona a região, em contraste com 60% de referências à região nordeste. Ao ficar fora da retórica política e do imaginário nacional, o Sudeste como região ficou fora da legislação. Não há como legislar sobre uma região que não existe, nem como beneficiá-la.
Ironicamente, é o crime organizado que, mantendo algum contato em estados diferentes, pensando em filiais, que talvez provoque uma consciência regional. Sem super-estimar o grau de organização do crime, a debilidade das instituições políticas e policiais, particularmente no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, deixou clara a incompetência desses estados em proteger suas populações.
Por que essa união é necessária? Porque os recursos são escassos. Porque o setor público brasileiro está falido, financeira e moralmente. Estão em disputa as migalhas, o que sobra. Nessa disputa, os estados, individualmente, tem pouca força. O estado brasileiro tem impostos suécos e benefícios africanos.

O discurso da exploração das regiões pobres pelas ricas tem algumas facetas que me incomodam:

  • a falta de dados que demonstrem essa exploração;
  • eximir a elite política do Nordeste e do Norte de qualquer responsabilidade, histórica e atual, pelos problemas da região e seus estados;
  • exemplificando: a miséria do Maranhão se deve à exploração por São Paulo ou a décadas de corrupção e inépcias da sua elite? Se a ambos, em que proporção?
  • as pessoas têm ou não responsabilidade pelas decisões que tomam ou deixam de tomar?
  • recursos desviados no Sudeste e do Sul vão beneficiar os necessitados das regiões mais pobres, a burocracia dessas regiões, a burocracia federal, ou a elite e a classe média dessas regiões - e em que proporções?
  • os pobres das regiões ricas merecem algum apoio?

Há uma hipocrisia que deve ser desmascarada. Alguns dos que brandem a bandeira da exploração do Nordeste e do Norte pelo Sul e pelo Sudeste são riquíssimos e insensíveis à miséria do próprio povo. É insultante ouvir esse discurso por parte de políticos latifundiários, que possuem casas de praia nababescas, absolutamente insensíveis à miséria que os cerca.
Os "sudestinos" devem se unir para obter recursos para combater o crime e a violência e os brasileiros devem se unir para garantir que os recursos federais, estaduais e municipais cheguem às mãos dos mais necessitados.

1.07.2007

Femicídio: matando mulheres

A África do Sul tem uma altíssima taxa de mulheres mortas por seus parceiros:

• de cada duas mortas por alguém que elas conheciam, uma o era pelo próprio parceiro.
• Os números são impressionantes: quase trinta por semana são assassinadas por maridos, amantes, namorados.
• Pior: uma em cada cinco é morta com uma arma legal, registrada e tudo o mais. Em metade dos casos que foram resolvidos o assassino era um intimate partner, um parceiro íntimo. Ainda que os casos resolvidos não sejam uma boa fonte para estimar o total de casos, os dados são impressionantes e falam de uma cultura que permite ou aprova o assassinato da companheira em situações específicas.

O Centre for the Study of Violence and Reconciliation (CSVR), o Department of Forensic Medicine and Toxicology na University of Cape Town, e o Medical Research Council promoveram uma pesquisa há dois anos para fornecer os dados básicos com os quais informar uma política racional de prevenção de femicídios.

• O que mais sabemos sobre os assassinos, fora que são parceiros? A maioria tem entre 30 e 39 anos, que é a idade com maior número de pedidos de compra de armas de fogo, de acordo com a organização Gun Free South Africa.

• A África do Sul segue um padrão que caracteriza muitos países: são assassinadas com maior freqüência por seus parceiros do que por desconhecidos. Implica em que uma teoria sobre o femicídio por parte de parceiros íntimos teria uma ampla aplicabilidade - feitos os devidos ajustes.

• Há momentos nos quais as mulheres são mais vulneráveis, quando há mais violência, e o pior de todos é quando tentam terminar uma relação - ou logo depois de uma separação.

• Uma pesquisadora, Vetten, mostra que a idade média e mediana das vítimas está diminuíndo. A implicação é clara: mulheres cada vez mais jovens estão entrando em relações que são ou se tornam marcadas pelo abuso e pela violência.

• Coloquemos o álcool na equação: um terço dos assassinos bebia demais, era alcoólatra.

• A maioria das vítimas é coloured. As mulheres coloured têm uma taxa de vitimização por homicídios íntimos que é desastrosa: perto de 20 por 100 000, o dobro da taxa das mulheres negras e seis vezes a taxa das mulheres brancas. Os coloured são um dos quatro grupos reconhecidos pelas leis de apartheid: brancos, negros, índios e "coloured. Os coloured são o resultado de mistura de grupos diferentes, incluíndo brancos, negros, migrantes do Ceilão e do Sul da Índia, da Indonésia etc

• A coisa fica pior: 16% das mulheres, além de assassinadas, também foram estupradas. E a polícia, que não parece melhor do que a nossa, não pergunta se o assassino estava batendo na mulher.

• Fica ainda pior: poucos são os assassinos condenados, menos de um terço. Setenta por cento das não condenações se deveriam à "falta de provas". Lá, como aqui, é muito difícil conseguir testemunhos. Muitos assassinos são presos, confessam, são postos em liberdade e somem. Lá como aqui...

Quanto vale a vida de uma mulher na África do Sul? Os assassinos condenados recebem, na média, pena de dez anos. A influência da intimidade sobre a sentença se nota quando sabemos que os assassinos não-íntimos recebem dois anos a mais. Os parceiros assassinos recebem penas menores quando alegam/provam que suas vítimas "os provocaram".

• O uso de DNA é escasso: 3,5% dos casos e, a despeito da alta freqüência de vítimas que foram estupradas, um exame técnico-forense é muito raro. Como aqui.


As autoridades parecem que não se importam com isso. Como aqui.

Feriados, suicídios e a "teoria das promessas quebradas"

Mais uma vez, a qüestão dos feriados e seus efeitos sobre a taxa de suicídios. Como essa notícia está vinculada a uma hipótese (melhor descrição do que teoria) interessante, incluo aqui também. Os pesquisadores analisaram 140 MIL suicídios cometidos entre 1970 e 2002 e sua distribuição ao longo do ano, com uma preocupação em testar a hipótese de Gabennesch, usualmente chamada da “teoria das promessas quebradas” que contribuiria para explicar os suicídios. Ao redor do Natal e da Páscoa, os suicídios declinam, mas apenas entre os homens; no primeiro dia do ano, ao contrário, há um aumento substancial nos dois gêneros; outros feriados húngaros, o primeiro de maio e o 20 de agosto não provocam alterações.
Os rítmos dos suicídios sugerem um aumento às segundas-feiras e um declinio durante os fins de semana – tanto para homens, quanto para mulheres.
Os pesquisadores concluem que os dados húngaros apoiam a hipótese de Gabennesch .
Como o artigo está em húngaro, usei as informações de PubMed.

Bozsonyi K, Veres E, e Zonda T. “The effect of public holidays on the suicide drive (frequency) in Hungary (1970-2002) em Psychiatr Hung. 2005;20(6).